Propaganda de colégio particular ao lado de escola pública: instituições privadas tentam fisgar pais pela qualidade do ensino e quantidade de aprovações em seleções públicas. 

Mais que dobrou o número de alunos migrantes de escolas privadas para públicas no Distrito Federal. Neste ano, 12.769 estudantes abandonaram as instituições particulares e efetivaram matrícula no sistema gratuito. Segundo a Secretaria de Educação, o número é 104,15% maior que os 6.130 matriculados em 2016. Com um aumento médio de 12% nas mensalidades escolares e a crise econômica apertando os bolsos, pais não conseguem negociar e tiram os filhos dos colégios. O governo garante que está pronto para receber os novos discentes, mas encara a Lei de Responsabilidade Fiscal como um empecilho.

Em 2016, das 42 mil solicitações de novas matrículas recebidas pela Secretaria de Educação, 12 mil eram de alunos trocando as instituições particulares pelas públicas. O número já era 50% maior do que o registrado no ano anterior. A maioria, das classes C e D, teria sido impulsionada pela crise econômica, o que já provocava a perda de 12% das matrículas do mercado. Agora, a situação piorou. Os centros de ensino particulares alegam que, mesmo com o reajuste acima da inflação, há prejuízo, e três colégios tradicionais do Plano Piloto fecharam no ano passado.

Para Fábio Pereira de Sousa, subsecretário de Planejamento, Avaliação e Acompanhamento Educacional da Secretaria de Educação, o aumento crescente da migração se justifica não só pela crise econômica, mas pelos bons índices das escolas públicas. “As mais procuradas são justamente aquelas com melhor desempenho”, ressalta. Ele lembra que não é de graça, mas “paga-se muito, com impostos, por educação pública de qualidade”.

Outro atrativo, no caso do Ensino Médio, diz respeito às cotas das universidades para alunos que estudam toda essa etapa na rede pública. “Antigamente, tínhamos ilhas de excelência no Plano Piloto. Hoje, temos em todas as regiões administrativas”, assegura.

Apesar do aumento da demanda, o gestor garante que não há sobrecarga. Fábio Pereira de Sousa explica que existe um fluxo constante de entrada e saída que acaba mantendo a média anual de estudantes. Assim, diz, não há necessidade de ampliação no número de salas de aula, salvo em locais em que a demanda total é potencializada. É o caso do Paranoá, Riacho Fundo II e São Sebastião, que, com programas habitacionais e migração, têm necessidade de expansão.

Utopia

“Em um mundo ideal, as pessoas trocariam escolas privadas por públicas por conta da qualidade do ensino”, afirma Luis Claudio Megiorin, presidente da Associação de Pais e Alunos das Instituições de Ensino do DF. “Essa demanda é crescente, mas temporária. Quem vai para a escola pública vai com sentimento de perda latente e decréscimo na qualidade de vida e renda. Muitos pais fazem a opção tristes. Até o 5º ano, dependendo da escola e localidade, ainda atende bem esse estudante. A partir de então tem problemas de tudo, do ensino à estrutura”, pondera.

O governo precisa ter condições de acolher a todos, pois, legalmente, ninguém em idade escolar pode ficar de fora. No entanto, para o presidente da associação, essa migração “é um problema e ameaça a educação”. Ele explica: “Hoje, há uma dependência desesperada do sistema privado para complementar a oferta. Se a privada não mantém os alunos, eles vão para a pública, que vai chegar a um estrangulamento ainda maior”, opina.

Perda de poder aquisitivo

De acordo com Amábile Pacios, diretora da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), o movimento é causado pela perda de poder aquisitivo especialmente das classes C e D. “Bom seria se fosse pela qualidade do ensino da rede pública, mas os pais têm que se adaptar à nova realidade financeira”, observou.

Ainda não há, por parte da entidade, um levantamento oficial acerca da perda de estudantes das escolas particulares. O Jornal de Brasília procurou o Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Distrito Federal (Sinepe), mas não conseguiu contato com o presidente da instituição.

Aperto financeiro“Em casa, só meu marido trabalha, então apertou. Tudo aumentou e não tem retorno porque os gastos não diminuem”, Sandra Madioli, mãe de Rafael. Foto: Sandro Araujo

A dona de casa Sandra Madioli começou a pensar na mudança de escolas dos filhos no meio do ano passado. Pagando R$ 1,3 mil por cada mensalidade de uma instituição particular, convenceu os garotos, de 13 e 15 anos, apesar da resistência inicial. O motivo foi e, segundo ela, continua sendo financeiro.

“Meu marido é militar e não tem aumento. Em casa, só ele trabalha, então apertou. Tudo aumentou e não tem retorno porque os gastos não diminuem”, explicou a mulher de 50 anos.

Em casa, eles adaptaram a rotina. Passeios e atividades de lazer foram cortados e os planos de telefone e internet trocados por mais baratos. Agora, vão enfrentar a mudança no ensino, que será reforçado com cursinho por fora. Ainda assim, garante a mãe, ficará mais em conta. “Acho que este ano, a migração deve ser ainda maior. A crise não dá trégua”, opinou.

Em setembro, quando começaram as matrículas para novos alunos da rede pública, Sandra inscreveu os dois meninos para o 8º ano do Ensino Fundamental e 1º ano do Ensino Médio, mas não ficou satisfeita com o local determinado pela Secretaria de Educação. Por isso, acampou na frente do Centro de Ensino Médio Setor Oeste (Cemso) e do Centro de Ensino Fundamental Caseb por vagas remanescentes. “Queremos, pelo menos, ensino de qualidade”, justificou.

VERSÃO OFICIAL

O governo diz que fez um planejamento para atender toda a demanda da Educação Básica em 2017, e, para otimizar o atendimento aos estudantes, está em andamento um concurso para professores e demais profissionais. Mas as nomeações esbarram na Lei de Responsabilidade Fiscal. Novamente o GDF virou o ano ultrapassando o limite prudencial. Por isso, as contratações precisam ser aprovadas pela Câmara de Governança.
Foto: Breno Esaki
Jéssica Antunes - Jornal de Brasília