Especialistas afirmam que é preciso melhorar gestão antes de retirar direitos.

"As discussões em torno da reforma da previdência devem ser abrangentes e transparentes porque é um tema que afeta direta ou indiretamente a vida de todos os brasileiros". Foi o que disse o deputado Raimundo Ribeiro (PPS) ao abrir, na manhã desta quarta-feira (17) a audiência pública promovida pela Câmara Legislativa, por iniciativa do distrital, para debater os reflexos da gestão financeira das contas previdenciárias e a necessidade da reforma da Previdência Social. Os debates contaram com a participação de representantes de entidades de classe, sindicalistas, servidores públicos, especialistas em Direito Previdenciário e Tributário, além de outros interessados no tema.

O presidente do Instituto de Previdência do Distrito Federal (Iprev), Adler Alves, apresentou dados preocupantes que podem colocar em risco as aposentadorias dos servidores públicos do DF. Ele explicou que a previdência no DF é composta por dois fundos independentes, o Financeiro (que abrange os servidores que ingressaram no serviço público até o final de 2006) e o Capitalizado (que cobre os servidores que entraram a partir de 2007). O problema maior recai sobre o primeiro. Tendo cerca de 55 mil servidores ativos e 54 mil aposentados e pensionistas, ele já está deficitário, uma vez que a proporção das concessões é de quase um ativo para um aposentado ou pensionista, sendo que o ideal seria um assistido para quatro ativos. Conforme o aumento natural das concessões previdenciárias deste grupo, a tendência é de aumento acelerado do déficit.

Déficit - Segundo Adler, o fundo capitalizado está superavitário, contemplando 33 mil servidores ativos e pagando atualmente 147 assistidos. Mesmo com o fôlego orçamentário, ele não pode ser livremente utilizado para sanear o fundo financeiro. No caso de quebra, teoricamente, os servidores do fundo financeiro não receberão o benefício. Informou que o déficit previdenciário do DF atualmente está na casa dos R$ 2 bilhões. Em 2020, o rombo deverá chegar a R$ 4 bilhões. Do ponto de vista do presidente do Iprev, a partir deste ponto o sistema poderá quebrar. Ou seja, caso nada seja feito, dentro de três anos aposentados poderão não receber o benefício regularmente. De acordo com Adler, a saída é buscar urgentemente novas fontes de financiamento para bancar as aposentadorias dos servidores incluídos no fundo financeiro.

O presidente do Sindicato da Carreira de Auditoria Tributária do Distrito Federal (Sinafite-DF), Adalberto Imbrosio Oliveira, ressaltou que enquanto o déficit previdenciário dos servidores do DF chega a casa dos R$ 2,2 bilhões, o governo local vem concedendo benefícios fiscais a vários segmentos. Observou que apenas a lei que concede benefícios fiscais aos atacadistas do DF traz um impacto de R$ 2,6 bilhões às contas públicas, ou seja, maior que o déficit atual do Iprev.

Adalberto fez duras críticas à renúncia fiscal posta em prática pelo governo federal, que no período de 2000 a 2017 disponibilizou aos devedores 27 programas de refinanciamentos de débitos (Refis), que reduziram substancialmente as dívidas a receber, em prejuízo de toda a sociedade que paga impostos. Destacou que o governo deve criar mecanismos para facilitar e agilizar a cobrança da dívida ativa que atualmente alcança o montante de R$ 23 bilhões.

Melhorar a gestão – A presidente da Comissão de Seguridade Social da OAB/DF, Thais Riedel, elogiou a iniciativa da Câmara Legislativa de abrir democraticamente o debate sobre a reforma da Previdência para todos os cidadãos interessados, postura oposta à da Câmara dos Deputados, que tem restringido a participação nas discussões sobre um tema tão importante para a sociedade.

Na opinião de Thais Riedel, a reforma da previdência não deve simplesmente suprimir direitos, mas sim levar em consideração, primeiramente, a melhoria da gestão do sistema previdenciário, para depois incluir os ajustes que forem necessários, com a devida responsabilidade e transparência. Deve também focar a realidade demográfica do Brasil, além de estudos econômicos e atuariais voltados sempre para a prevenção dos riscos sociais. "Se isso não for feito, iremos retroceder em termos de proteção social", alertou.

A representante da OAB/DF fez um breve histórico da evolução do sistema previdenciário brasileiro, destacando que a Constituição Federal de 1988 foi "inteligente" ao prever os caminhos para a solução de eventuais entraves que possam levar ao colapso da Previdência. Explicou que o modelo estabelecido na Constituição, de um sistema de seguridade social, previu um orçamento único, onde estão incluídas várias fontes de recursos, que vão desde a folha de contribuições - que o governo está utilizando exclusivamente para identificar o "déficit" previdenciário –, até PIS/Cofins, que incide sobre faturamento; Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), que incide sobre o lucro; importação; PIS/Pasep; loterias e outras. "A Constituição foi tão inteligente que, como previa o quanto iria custar a saúde e a assistência previdenciária, previu também as várias fontes para custeio do sistema. Assim, quanto mais fontes houver, menor será o risco, segundo Thais.

O presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Civis da Administração Direta (Sindireta-DF), Ibraim Yusef Marmud Ali, disse que a proposta de reforma da Previdência, mais uma vez, é calcada na retirada de conquistas e de direitos dos trabalhadores que contribuem para a manutenção do sistema previdenciário. Deixou clara a preocupação dos servidores públicos com vários pontos da reforma que trazem prejuízos diretos a eles, como o fim da paridade. Ressaltou que situação do Iprev/DF também vem preocupando os servidores públicos que correm risco futuro de não receberem suas aposentadorias.

O vice-presidente de Assuntos de Seguridade Social da Associação de Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), Décio Bruno Lopes, afirmou que se existe déficit da Previdência hoje, ele acontece porque o governo não faz uma boa gestão e utiliza indevidamente os recursos da Previdência para outras finalidades. Ressaltou que a reforma deve incluir mecanismos de recuperação de receitas, evitando-se também as renúncias fiscais para manutenção dos pilares da proteção social estabelecidos no sistema de seguridade social. "Cabe ao Estado fazer uma boa gestão dos recursos públicos para superar o déficit da Previdência", acrescentou.

Ampliação do debate - Para a coordenadora nacional do Movimento Auditoria Cidadã da Dívida no Brasil, Maria Lúcia Fattorelli, é preciso ampliar os debates, uma vez que o governo vem implementando uma série de "reformas" que estão conectadas e afetam diretamente toda a população. Destacou que o Brasil é um dos países mais ricos do Planeta (9º economia do mundo), mas estranhamente a população enfrenta impressionante "cenário de escassez", com inaceitáveis índices de miséria, desemprego e fome. Isso ocorre, segundo Fattorelli, devido ao modelo econômico adotado pelo País, que é voltado para a concentração de renda e riqueza, que se expressa também nos gastos governamentais.

Com relação à Previdência, Maria Lúcia Fattorelli observa que o governo tem alegado a existência de um "déficit" e, dessa forma, é preciso promover uma reforma que parte da retirada de direitos. "Isso é mentira. O déficit é uma máscara. Quando computamos corretamente todas as fontes de receita da Seguridade Social, obtemos elevado superávit de dezenas de bilhões todos os anos", disse.

Destacou também que o orçamento da Seguridade Social é fortemente prejudicado por desonerações fiscais injustificadas, as quais alcançaram R$ 267 bilhões em 2016. Além disso, a falta de combate à sonegação elevou o volume devido à Previdência ao patamar de R$ 400 bilhões.

Ao finalizar a sua participação na audiência pública, Fattorelli ressaltou a necessidade de se realizar uma auditoria da dívida pública brasileira, tendo em vista que o endividamento público tem funcionado às avessas. "Em vez de servir para aportar recursos ao Estado, tem provocado uma contínua e crescente subtração de recursos públicos, direcionados principalmente ao setor financeiro privado", acrescentou.
 CLDF