Por ser mudança constitucional, reforma precisa de aval de 308 dos 513 parlamentares

Plenário da Câmara dos Deputados - Ailton de Freitas / Agência O Globo

BRASÍLIA e SÃO PAULO - A aprovação do texto principal da reforma da Previdência na comissão especial da Câmara por 23 votos favoráveis — mais do que três quintos dos 37 membros —, que foi comemorada pelo governo, está longe de garantir resultado equivalente no plenário da Casa. Por se tratar de mudança constitucional, a reforma da Previdência precisa do aval em plenário de três quintos dos deputados, ou 308 dos 513 parlamentares. O governo esperava garantir na comissão especial não só um placar folgado, como também a aprovação de um texto de consenso, que facilitasse sua votação em plenário. Mas, apesar das concessões que garantiram a votação em comissão, ainda existem muitas resistências, inclusive na base aliada.

Isso pode fazer com que voltem à estaca zero, no plenário, questões que pareciam pacificadas, como trabalhadores rurais e benefícios assistenciais pagos a idosos da baixa renda. Há, ainda, o impasse envolvendo os servidores públicos, que querem manter a integralidade (último salário da carreira) e a paridade (mesmo reajuste salarial dos ativos), e os agentes penitenciários.

A bancada do Nordeste, onde a aposentadoria rural tem peso político relevante, alega condições de trabalho adversas e critica a criação de uma contribuição individual para trabalhadores do campo, apesar de o governo ter recuado no tempo de contribuição, que ficará em 15 anos, e não nos 25 anos que serão exigidos dos demais. Também houve concessão na idade mínima de aposentadoria, que se manteve nos atuais 60 anos para homem e menor para as mulheres, de 57 anos.

Deputados da bancada do PSDB também querem mais concessões nos benefícios assistenciais concedidos a idosos de baixa renda (BPC-Loas). O governo aceitou manter a vinculação ao salário mínimo, mas elevou na proposta a idade para requerer o benefício, dos atuais 65 anos para 68 anos. Alguns parlamentares defendem a manutenção das regras atuais para os idosos, como foi feito para os deficientes.

O lobby de algumas categorias do serviço público continua firme no Congresso e já conta com a sensibilidade de parlamentares da base sobre a necessidade de criar regra de transição para a paridade e a integralidade. Pela proposta, os funcionários públicos terão de atingir idade de 65 anos (homem) e 62 (mulher) para manter esses dois benefícios. A regra começa a valer a partir da aprovação da reforma. Já há, inclusive, um destaque preparado para derrubar essa exigência durante a votação do plenário. Mesmo os agentes penitenciários que invadiram a comissão na noite de quarta-feira, irritando parlamentares, têm o apoio de vários deputados.

Integrantes da equipe econômica afirmaram ao GLOBO que a inclusão de policiais legislativos e agentes penitenciários num regime especial de aposentadorias na reforma é pior do ponto de vista político do que do fiscal. Os policiais legislativos foram incluídos no projeto pelo relator da matéria, deputado Arthur Maia (PPS-BA). Já os agentes ficaram de fora em um primeiro momento, mas o governo já está disposto a negociar que eles sejam incluídos por meio de uma emenda ao texto que será votado em plenário.

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— Esses dois grupos são pequenos. Não é muita gente, e tem pouco impacto do ponto de vista econômico. O problema é o sinal que isso passa ao mercado — admitiu um integrante do governo.

SEM ESPAÇO PARA MUDANÇAS SUBSTANCIAIS

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou ontem que o projeto da reforma da Previdência aprovado na comissão mantém 75% da proposta original do governo, mas que, daqui para frente, não pode sofrer mudanças substanciais:

— A reforma da Previdência é fundamental no projeto de assegurar o ajuste fiscal e não pode ser fundamentalmente alterada a partir de agora. Nada que modifique muito esse percentual.

As contas de Meirelles levam em consideração a economia que seria gerada pela proposta original de reforma em um prazo de dez anos. Com as concessões feitas, essa economia caiu para 75% do desenhado pela equipe econômica.

A coesão da base — fundamental para aprovar uma reforma como a previdenciária — foi posta em teste durante a votação do destaque favorável aos agentes penitenciários. O PSDB contrariou a indicação do governo e encaminhou voto favorável, contaminando outros partidos, como DEM e PP. Diante do risco de derrota, o presidente da comissão, deputado Carlos Marun (PMDB-MS), suspendeu a votação e pediu ao autor do destaque para retirar a emenda — o que provocou a invasão da sala da comissão pelos agentes.

Segundo o líder da maioria na Câmara, deputado Lelo Coimbra (PMDB-ES), o governo ainda não tem a maioria para aprovar a reforma no plenário. Porém, há potencial para ganhar entre 80% e 85% votos dos 411 deputados da base na Casa.

O vice-líder do governo, deputado Beto Mansur (PTB-SP), que está auxiliando o Planalto na comunicação da reforma, disse que, assim que a comissão especial concluir a votação, na terça-feira, vai reforçar a distribuição de cartilhas, com foco nas entidades representativas, como CNBB, OAB e sindicatos patronais e de trabalhadores.

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Os líderes governistas foram escalados para começar um trabalho de contagem de votos, disparando telefonemas a partir deste fim de semana. Eles acreditam que a reforma possa ir à votação no plenário da Casa na última semana deste mês.

O ministro da Secretaria de Governo, Antônio Imbassahy, prefere não fixar um prazo:

— Será no momento em que for consolidada a maioria dos votos — reiterou o ministro.

POR GERALDA DOCA / MARTHA BECK / CRISTIANE JUNGBLUT / ANA PAULA RIBEIRO