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Em uma lanchonete de Brasília, a mulher que opera o caixa recebe mais um pedido. Minutos depois, irritado pelo tempo de espera, um cliente se exalta e recebe da funcionária a sugestão de cancelar o pedido. Ele reage com as expressões “você é uma preta fedida, irresponsável”, “você é uma preta nojenta” e segue falando: “preto não serve para nada”. O fato é real e aconteceu em fevereiro de 2012. Casos como esse são mais comuns do que se imagina na capital da República. Entre 2010 e 2016, o número de denúncias de crimes raciais subiu 1.190%.

No Distrito Federal, a maior parte desses crimes são praticados no local de trabalho das vítimas. Nas ações penais, 7% são por crimes de racismo e os demais são por crimes de injúria racial. Em 80% dos casos houve a responsabilização do réu (por acordo ou condenação) e em 20% dos casos houve absolvição. Esses dados fazem parte de uma pesquisa documental inédita realizada com 150 processos em que a denúncia foi oferecida pelo Núcleo de Enfrentamento à Discriminação (NED) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).

A pesquisa, coordenada pelo promotor de Justiça Thiago André Pierobom de Ávila e pela servidora Kassia Zinato, faz parte do livro “Acusações de racismo na capital da República”, que será lançado nesta terça-feira, 13 de junho. A obra, que celebra os dez anos do NED, apresenta um retrato de como o Sistema de Justiça tem enfrentado os crimes raciais, os resultados dos processos que tiveram suspensão condicional e dos que prosseguiram até a sentença.

Os dados são impactantes: houve aumento de 375% das prisões em flagrante entre 2011 e 2016. Além disso, cerca de metade dos inquéritos policiais geram oferecimento de denúncia. Dos processos denunciados, 46% são solucionados com o acordo de suspensão condicional do processo. Dos processos que chegam à sentença, há condenação em 56% dos casos. Nos recursos ao Tribunal de Justiça, 86% dos casos resultam em condenação.

Outros dados revelados pela pesquisa: o local em que há maior ocorrência de casos de discriminação racial é no local de trabalho da vítima (35%), seguida da via pública (18%) e da casa da vítima (12%). As ofensas mais usuais são expressões de equiparação a macacos (32%); ofensas relacionadas à desonestidade, como “preto safado” (20,6%); e ofensas puramente depreciativas, como “seu preto” ou “neguinho” em contexto de outras ofensas (19%). Clique aqui e acesse o sumário executivo com a íntegra dos dados da pesquisa.

Para o promotor de Justiça Thiago Pierobom, a obra permite a reflexão sobre o racismo e as formas de combatê-lo. “A pesquisa indica a persistência de comportamentos discriminatórios em pleno século XXI. Mas também indica que as ações penais promovidas pelo MPDFT estão gerando punições, e que o Judiciário tem se sensibilizado para o tema. Espera-se que a pesquisa subsidie políticas públicas específicas ao perfil do racismo no Distrito Federal”.

Lançamento

A obra será lançada nesta terça-feira, 13 de junho, às 17h, na Sede do MPDFT, e o evento é aberto ao público. O livro discute a atuação do MPDFT no combate à discriminação racial e apresenta estatísticas e análises sobre a evolução da jurisprudência relacionada ao tema. Para isso, foram convidados especialistas e professores que atuam na área. A publicação será distribuída gratuitamente e estará também disponível no portal do MPDFT na internet após o evento.