Intérprete e cineasta pernambucana leva outras perspectivas a adolescentes que cumprem medidas socioeducativas

De uma infância de privações em Iraguacy, interior do sertão pernambucano, ao posto de cineasta e idealizadora do Projeto Nota 10, que atua na recuperação de adolescentes que cumprem medidas socioeducativas em unidades do Distrito Federal. A trajetória da atriz e ex-miss Pernambuco Núbia Santana daria um filme. Com a autoridade de quem conhece a cruel realidade desses jovens, a documentarista dedica-se a trazê-los de volta ao caminho do bem.

Com a ajuda de dez ex-internos – ressocializados com a ajuda da atriz –, Núbia visita instituições para moças e rapazes em conflito com a lei, com o objetivo de convencê-los a esquecer o passado, normalmente marcado por violência e drogas. De acordo com a cineasta, muitas vezes sua interferência foi fundamental para recuperar relações familiares abaladas por escolhas equivocadas.

Formada em artes cênicas pela Faculdade Dulcina de Moraes, de Brasília, a artista e os “filhos do coração” escreveram juntos o roteiro do espetáculo O Grito. A trama teatral conta a história de ex-presidiários da Papuda (complexo penitenciário do DF) e o caminho deles até a superação. “É emocionante vê-los de olhos vidrados e reconhecendo nas cenas momentos da própria vida”, ressalta a pernambucana.
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Núbia Santana e equipe do Projeto Nota 10 levam nova perspectiva a jovens em situação de vulnerabilidade no DF

Durante as visitas, a artista promove oficinas sempre voltadas às artes como o teatro, a música e a elaboração de roteiros. Além disso, acaba tornando-se uma mistura de psicóloga e madrinha dos egressos, a quem ajuda a conseguir emprego para não voltarem a cometer delitos.

“Eles têm meu telefone pessoal, me ligam e mandam mensagem a qualquer hora. Eu gosto disso. Eu chamo a atenção deles, dou conselhos e eles me respeitam muito”, afirma.

Núbia garante ainda ser bem caxias com as regras que impõe para que os ex-internos continuem a participar do Projeto Nota 10. “Eu sou bem general também. Eu obrigo todos eles a frequentarem a escola, e mais que isso. Devem tirar boas notas”, afirma.

Núbia usa a história de dificuldades e ascensão para inspirar jovens

Identificação
“Nós fazemos uma revolução da educação e da oportunidade. A nossa única ferramenta é a identificação que eles têm com a minha história e as dos meninos que já estiveram no lugar deles”, explica e completa: “eu sei o que é passar fome e o que é pensar em roubar para levar comida para casa”.

Única filha mulher de José e Maria Odete Santana, Núbia não esquece os tempos de dificuldade. Com apenas sete anos, a pernambucana precisava caminhar 36 km para chegar até a escola. “No trajeto eu ia pensando em maneiras de tirar minha família da miséria. Esse meu lado social começou aí, quando eu tentava ajudar a minha própria família”, relembra a quarta, de oito irmãos.

A ex-miss não se importa com o motivo que os levou ao sistema socioeducativo. “O que importa é o rumo que a pessoa deseja dar para o futuro”, diz. Algumas histórias podem chocar e gerar preconceito em muitas pessoas, mas Núbia não se abala. Como a de Rodrigo Silva, que levou à mesa de um delegado o corpo em pedaços do homem que estuprou sua irmã. Atualmente, além de rapper e grafiteiro, ele visita as unidades com a artista para servir de exemplo.



1/8Ex-interno, Rodrigo Silva hoje ajuda a resgatar jovens com NúbiaDivulgação

2/8Núbia já levou mais de 70 internos, assim como Rodrigo, ao Cine BrasíliaRafaela Felicciano/Metrópoles

3/8"Eles chegaram todos algemados, mas depois dos nossos apelos, os policiais retiraram", relembra.Rafaela Felicciano/Metrópoles

4/8Núbia conta que por vezes recebeu relatos de jovens que desistiram de fugir das unidades em consideração a elaRafaela Felicciano/Metrópoles

5/8Para a pernambucana, a responsabilidade só pesa quando ela não consegue ajudá-losRafaela Felicciano/Metrópoles

6/8Ainda no primeiro semestre de 2018, Núbia promete lançar um novo documentárioRafaela Felicciano/Metrópoles
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7/8Com 76 minutos de duração, a obra mostra o dia a dia das bocas de fumo de crack no DFRafaela Felicciano/Metrópoles
8/8"Eu fiquei quatro anos convivendo com os traficantes, comia e dormia nas mesmas barracas que eles. As cenas são impactantes", conclui.Rafaela Felicciano/Metrópoles

Trabalho preventivo
Preencher a lacuna deixada pelo Estado nas periferias também é foco do trabalho social da atriz. “Eu acabo me aproximando das mães dos internos, e ajudo como posso para que os irmãos não se percam no mesmo caminho”, relata. O Projeto Nota 10 atua, ainda, em creches, escolas e na formação de crianças de comunidades carentes de atenção dos governantes.

“Gostaria que vissem de perto a realidade. As pessoas olham somente para o próprio umbigo e esquecem que estão criando monstros frutos do descaso”, pontua a diretora, prestes a lançar mais um longa de documentário. Em Pedra do Mal, a roteirista trata da realidade do crack na capital federal. “Fiquei quatro anos convivendo diretamente com com os traficantes. comia e dormia na mesma barraca. As cenas são impactantes”, conclui.

Núbia acredita que descaso do governo gera a criminalidade

Fonte: Rafaela Feliciano/Metropoles