'Engenheiro é 80% visão', disse professor sobre estudante com doença genética. UnB diz ser 'contra intolerância e discriminação'.

Por G1 DF

Aula em anfiteatro da Universidade de Brasília (UnB) (Foto: Isa Lima/UnB Agência)

O Ministério Público Federal no Distrito Federal (MPF-DF) denunciou à Justiça, neste mês, um professor da Universidade de Brasília (UnB) suspeito de discriminar, em sala de aula, uma aluna de engenharia química que tem deficiência visual. Além do crime supostamente praticado em duas ocasiões, o MP aponta prática de improbidade administrativa.

"O que quer que eu faça? Dê aula só para você? [...] Engenheiro é 80% visão. [...] Pessoas que não possuem inteligência visual devem ser portadores de deficiência grave", teria dito o professor à sala, em referência à estudante.

Em nota ao G1, a UnB afirmou ser "contra qualquer tipo de manifestação de intolerância e discriminação", e trabalhar "para que as pessoas com deficiência tenham condições de usufruir plenamente de seus direitos como membros da comunidade acadêmica".

Segundo o processo, a denúncia foi levada à ouvidoria da universidade por 11 alunos em 2016, mas o professor continuou a discriminar a aluna – mesmo após uma reunião com a direção do departamento de engenharia.

A estudante, de acordo com o MPF, é portadora de retinose pigmentar. A doença tem origem genética e compromete a visão de modo progressivo. Por isso, a aluna teria pedido ao professor que fizesse algumas adaptações na aula – por exemplo, narrar a linguagem matemática escrita no quadro e nos slides.

Já no primeiro dia de aula, o professor negou o pedido e afirmou que não poderia mudar a rotina de ensino por conta de uma única aluna. Ao ouvir a solicitação novamente, em um outro dia, o professor teria feito comentários sobre o caso para toda a turma.

"O engenheiro que não consegue visualizar as coisas não é um bom profissional. [...] Se um engenheiro civil não consegue visualizar a viga, ela provavelmente vai desabar."

Reitoria da UnB, no Campus Darcy Ribeiro (Foto: Bianca Marinho/G1)

Tentativa frustrada

As denúncias foram levadas, em um primeiro momento, à Ouvidoria da UnB. Com os relatos, a administração da universidade convocou uma reunião com a aluna, o professor e os diretores das coordenações de engenharia mecânica e engenharia química. O diretor do Programa ao Portador de Necessidades Especiais da UnB também compareceu ao encontro.


No debate, segundo o MP, o professor justificou a conduta adotada – a ação não informa o teor dessa justificativa – e o diretor do programa admitiu a falha da UnB ao instruir professores para atender às deficiências dos alunos.

Apesar disso, na aula seguinte à reunião, o professor teria voltado a comentar o tema em sala. Segundo a denúncia, ele afirmou à turma que "graças às exigências da aluna com deficiência", aquela disciplina teria um ritmo mais devagar, com perda de conteúdo e prejuízo a todos.

Como resultado, a aluna abandonou a disciplina e procurou o MPF para registrar a denúncia. Não há prazo para que o tema seja julgado pela Justiça Federal em Brasília.

O G1 questionou a UnB sobre os resultados da reunião descrita na ação, e sobre o status atual do professor no corpo docente da universidade. Até a publicação desta reportagem, a instituição ainda não tinha respondido.

Discriminação e improbidade

Na denúncia, o MP defende que a conduta do professor ultrapassa qualquer "infelicidade" e alcança o nível da discriminação. "Não se pode admitir que, por causa de uma deficiência, a pessoa tem maior ou menor capacidade", diz o procurador da República Ivan Marx, que assina a ação penal.

"Logo, diante da notória inadequação das analogias, no contexto em que foi empregada, o que se pode concluir é que os maus exemplos dados pelo denunciado tinham mesmo um único objetivo: depreciar a aluna deficiente visual.”

As duas acusações por discriminação baseada em deficiência são previstas no Estatuto da Pessoa com Deficiência, de 2005. A pena para cada uma pode chegar a três anos de reclusão, além de multa.

Já na ação por improbidade administrativa, o MPF defende que o professor contrariou os princípios da legalidade, da moralidade e da impessoalidade na administração pública. Neste caso, se condenado, o professor pode perder o cargo e ter os direitos políticos suspensos por até cinco anos.

G1