Especialistas apontam falta de políticas públicas adequadas.

Às vésperas do mês em que se intensifica a mobilização em torno do combate ao abuso sexual de crianças e adolescentes, a CPI da Pedofilia da Câmara Legislativa do Distrito Federal realizou audiência pública colocando no centro do debate o agressor. Nesta segunda-feira (23), o presidente do colegiado, deputado Rodrigo Delmasso (PRB), anunciou que pretende apresentar – e aprovar – projetos de lei subsidiados pelas discussões promovidas pela CPI até o próximo 18 de maio, Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.

A audiência pública desta manhã foi, conforme destacou Delmasso, a 13ª realizada pela comissão. Antes da fala dos especialistas e militantes convidados, o distrital levantou questionamento sobre a possibilidade de as pessoas que cometem pedofilia terem alguma doença. "Muitos advogados usam esse argumento para tentar reduzir a pena dos agressores", completou.

O vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do DF, doutor Thiago Blanco, esclareceu as diferenças entre a pedofilia em si e o transtorno de pedofilia, considerado um transtorno parafílico; ou seja, "o interesse sexual intenso e persistente que não aquele voltado para parceiros que consentem e apresentam fenótipo normal e maturidade física". O médico fez questão de ressaltar que muitas pessoas que expressam desejo por uma criança não praticam o ato.

Por outro lado, Blanco apresentou situações de ofensores que apresentam uma espécie de "distorção cognitiva" e que não conseguem perceber que não podem praticar pedofilia. Segundo relatou, há agressores que pensam que o sexo com adolescentes, por exemplo, é uma atitude aceitável para um homem simplesmente por ele ser homem. O médico refuta, contudo, a associação dos níveis de testosterona à prática da pedofilia. "Estudos mostram que não há uma relação direta", aponta. De acordo com o estudioso, a pedofilia costuma estar mais associada ao exercício do poder sobre o outro.

Cultura – O psicólogo Bruno Nogueira Costa abordou as formas pelas quais nossa cultura e as relações sociais acabam por estimular, direta ou indiretamente, a pedofilia. "Esse é um comportamento que não pode ser desassociado do processo histórico e cultural", ponderou. Remontando ao período em que as relações sexuais entre adultos e crianças tinha o aval legal, social e religioso, ilustrado pelos casamentos entre reis, o especialista lembrou que nem sempre se questionou se esse tipo de prática era saudável ou não para a criança. Ele levantou também o fato de a sociedade atual valorizar a sexualização de crianças, estimulando o uso de maquiagem por meninas, por exemplo.

O psicólogo reforçou, ainda, o argumento do médico Thiago Blanco: "São relações de poder em que se negligencia a necessidade do outro". Ele apresentou estudos que demonstram que a maior parte das pessoas que praticam pedofilia o fazem por "déficit de habilidades sociais de conquistar e seduzir"; o que quer dizer, de forma simplificada, que, como a sedução de um adulto é vista como um desafio muito grande, a pessoa parte para relações com adolescentes ou crianças para diminuir as dificuldades. 

Políticas públicas – Por fim, Bruno Nogueira alertou para a falta de políticas públicas adequadas para lidar com o agressor. Conforme defendeu, não basta responsabilizar juridicamente o pedófilo. "Só punir não está dando certo. O sujeito tem de desenvolver responsabilidade psicológica pela prática. E é preciso também responsabilizar a família e a sociedade", afirmou, defendendo políticas que envolvam educação e cultura. "Quem comete um crime não perde todos os direitos, perde o direito à liberdade. É a garantia dos demais direitos que permite a posterior reinserção", resumiu.

Thiago Blanco, por sua vez, reforçou a necessidade de se garantir tratamento psicoterápico, mais do que medicação, para agressores em reabilitação.

Denise Caputo
Fotos: Rinaldo Morelli
Comunicação Social – Câmara Legislativa