Natalidade. Rede pública oferece ao menos 8 métodos contraceptivos. Nascimentos caem, mas gravidez precoce persiste.

Informar para escolher. É assim que a Secretaria de Saúde promete agir quando o assunto é gravidez. Ao menos oito métodos contraceptivos são oferecidos na rede pública: preservativos, pílula combinada, anticoncepcional injetável mensal e trimestral, dispositivo intrauterino com cobre (DIU), diafragma, anticoncepção de emergência e minipílula. Além disso, nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) há grupos de planejamento reprodutivo. A cada ano que passa, o número da fecundidade no Distrito Federal diminui.

Pelo menos 43.963 crianças nasceram no ano passado na capital. O balanço, ainda que provisório, representa um aumento sutil de 1,5% quando comparado aos nascimentos de 2016 – 43.313. Marina Prado, gerente de Apoio à Saúde da Família, observa que o DF segue a tendência nacional de queda nas taxas de natalidade e fecundidade.

Para ela, falar de gravidez não envolve somente políticas públicas de saúde. “Muitos fatores influenciam. Nunca trabalhamos com a ideia de que basta conhecer os métodos contraceptivos para não engravidar. O próprio acesso à informação e a melhoria da qualidade de vida influenciam na hora de ter ou não filhos”, pondera.

O planejamento reprodutivo está amparado pela lei nº 9.263, de 1996, que descarta qualquer “controle de natalidade” no País. “A contracepção é um direito da mulher, das escolhas do seu corpo. As políticas são voltadas para o planejamento reprodutivo, e não mais ‘planejamento familiar’, porque entendemos que a mulher sozinha também pode planejar uma gestação”, reconhece Marina.

Sendo assim, Unidades Básicas de Saúde devem oferecer grupos que informam sobre os métodos contraceptivos e doenças sexualmente transmissíveis e, ao final, a mulher poderá escolher o método que mais lhe cabe.

Há ainda os métodos pós-relações sexuais: a vasectomia e a laqueadura. As únicas condições são de que a mulher ou o homem tenha mais de 25 anos e dois filhos. Se a pessoa for casada, deve haver o consentimento do companheiro.

Adolescentes

Em 2015, 14% dos bebês que nasceram no DF têm mães entre 10 e 19 anos. A gravidez precoce é uma das barreiras que persistem. “Temos que aproximar os jovens dos serviços de saúde. É um valor que varia de acordo com a região administrativa. Áreas economicamente mais favorecidas têm uma taxa maior de mulheres que são mães após os 35 anos. Aquelas de classes mais pobres ainda estão atreladas a um número maior de filhos e à gravidez precoce”, conta Marina. O percentual, no entanto, é menor quando comparado ao Centro-Oeste (17,5%) e a todo o País (17,3%).

A gerente detalha que, no DF, 258 escolas têm uma equipe de saúde de referência que desenvolve ações educativas.Jornal de Brasília

Muitos filhos por escolha própria

A casa com brinquedos espalhados pela sala não esconde: ali há crianças. A professora de música Valéria Lehmann Cavalcanti, 33 anos, tem quatro filhos. João tem seis anos, Cecília cinco, Sara tem dois anos e meio, e o mais novo completou um ano no último dia 9. A mulher admite que há chances de ter mais um filho nos próximos anos, mas a quantidade não significa descuido.

Ela ficou grávida pela primeira vez quando namorava o pai das crianças, o consultor ambiental Davi Moreira Cavalcanti, 34 anos. Com três meses de João e ainda em resguardo, Cecília foi concebida. Depois dela, o casal deu uma espaçada de dois anos até a próxima filha, Sara. “Os dois primeiros não foram planejados, mas os dois últimos sim. Talvez, lá no fundo, eu sempre tenha pensado em ter uma família grande. Lembrava da família do meu pai, da casa cheia, com muitos primos e tios. Sempre achei legal”, conta a professora.

Valéria fez o pré-natal na rede pública. Ela lembra que, por vezes, enfrentou comentários desnecessários. “Ficaram assustados quando eu estava grávida do terceiro filho. Perguntaram minha escolaridade, como se eu não soubesse dos métodos contraceptivos. Achavam que eu estava grávida do terceiro filho por descuido”, reclama. No quarto, optou por fazer acompanhamento apenas com uma parteira. “Com tanta experiência, já sabia o passo a passo”, brinca.

Ela garante que o número de filhos pouco tem a ver com falta de cuidado ou conhecimento. “Eu e meu esposo fizemos cursos de métodos contraceptivos naturais. Uso o método billings (percepção do muco vaginal e da temperatura corporal com base na ovulação) associado a outras técnicas naturais. Assim não interfiro tanto na minha saúde”, aponta. A professora aprendeu as técnicas com a parteira e em grupos da igreja.
“Se você conhece o seu corpo, você consegue saber exatamente quando está ovulando e pode evitar uma gravidez. Até se quiser um filho, consegue planejar para ter menino ou menina. Tudo de maneira natural”, acrescenta.

A rotina com os quatro filhos fez Valéria mudar. Quando a terceira filha tinha seis meses, ela abandonou o serviço para poder cuidar integralmente dos filhos. “Resolvi deixar de trabalhar para ficar perto deles. Eu pagava babá, era uma correria todo dia para trabalhar, deixar na escola, buscar. Como sou professora e dava aula para crianças da idade deles, preferi ficar em casa. Aqui acompanho o crescimento, ensino algumas coisas. Quero estar perto para poder ver os primeiros passinhos, as primeiras palavras”.

Moradora da Asa Norte, a professora contraria a taxa de fecundidade da região. Em 2016, a média da Asa Norte era de 0,97 nascido vivo por mulher.

Sucesso na carreira primeiro

Casada, a estudante Laís Costa e Castro, 27, nada parece com a professora Valéria. O contraste é nítido: a mestranda em Ciências Mecânicas não quer ter filhos nos próximos anos. “O foco é nos estudos e no meu sucesso profissional”, resume. Para evitar uma gravidez, ela faz uso de dois métodos contraceptivos – diafragma e percepção sintotermal.

Laís começou a tomar pílula hormonal aos 16 anos, só que o foco era outro. “Inicialmente era por problemas de acne. Só que comecei a ter todos aqueles efeitos colaterais. Fazia oito anos que tomava continuamente”, conta.Laís não pretende ter filhos tão cedo: outras prioridades na vida. Foto: Myke Sena/Jornal de Brasilia.

Para chegar até o diafragma, a estudante tentou o acesso pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e pela rede particular. Em ambos os caminhos, enfrentou percalços. “No particular marquei uma consulta com ginecologista, fiz exames e questionei se ele fazia a medição para colocar o diafragma. Disse que não fazia porque não tinha o kit. Tive que comprar eu mesma. Deu tudo certo, consegui encomendar meu diafragma na internet, recebi e já estou usando”, conta.

“Pelo SUS já tem a problemática com relação à região administrativa. Estou em casa só no fim do dia, mas meu atendimento tinha que ser no Areal por morar lá. Fica contramão, mas resolvi tentar. No dia que fui ao posto, marquei com planejamento familiar, mas ainda não me chamaram”, completa. A marcação foi feita no início do ano, e até agora Laís não teve resposta.

Por fim, há um ano fazendo o uso dos dois métodos, Laís conta que seus planos não comportam uma criança.

Ponto de Vista

O número de mulheres que são mães acima dos 35 anos cresce no DF. Em 2015, em 17,9% dos nascimentos as gestantes eram dessa faixa etária, enquanto em 2016 foram 18,7%. Por outro lado, a taxa de fecundidade cai. No mesmo período, o número de filhos por mulher diminuiu 7%. Em 2015, as brasilienses tinham uma média de 1,65 filho. Agora, é de 1,53. Para o ginecologista e professor da Faculdade de Medicina da UnB Antônio Carlos Rodrigues, essa diminuição é atribuída a questões sociais.

“Com a pílula e a inserção das mulheres no mercado de trabalho, elas começaram a postergar a gravidez. A maioria opta por ter filho depois dos 30 anos porque prefere ser mãe depois do sucesso profissional. Além disso, movimentos internacionais de mulheres que não querem filhos estão chegando ao Brasil”, observa.Dr. Antônio Carlos Rodrigues Médico Antônio Carlos Rodrigues critica a postura do Estado. /Foto: Kléber Lima/Jornal de Brasilia

Segundo o ginecologista, o planejamento do governo é ineficaz. Todo serviço público deveria ter equipe para mostrar os métodos, mas não há estrutura. Nem todos têm DIU, nem todos têm a pílula, os estoques acabam. Quem busca o serviço público não tem condições de comprar. As mulheres menos favorecidas são as que têm mais filhos. Às vezes elas têm informações, sabem o que querem, mas chegam aos consultórios e não há a oferta”. O resultado, em alguns casos, seria o aborto. “Como o Estado falha, a gravidez indesejada acontece. Elas acabam procurando o aborto. Observa-se que, onde o aborto foi descriminalizado, as mulheres passaram a usar mais os métodos contraceptivos, e o planejamento familiar ficou mais forte. Todo o processo é muito traumático. Ela não quer passar por tudo aquilo novamente”.
Fonte: Jornal de Brasília
Foto: Kléber Lima/Jornal de Brasilia