'Aqui estamos com milhares de cães vindos do mar', montada pelo grupo paulistano Os Barulhentos e com texto do romeno Matéi Visniec, fica em cartaz de 24 a 27 de janeiro.

Por Luiza Garonce, G1 DF

A importância que damos a certas coisas da vida estão de acordo com a razão da nossa existência? A pergunta filosófica espera uma resposta que pode nunca chegar, mas a companhia paulistana Os Barulhentos decidiu arriscar mesmo assim.

Por meio do espetáculo "Aqui estamos com milhares de cães vindos do mar", que aborda o vazio da experiência humana, o diretor Rodrigo Spina lança uma série de questionamentos no ar e deixa a plateia atônita diante da incapacidade imediata de reagir.

“As nossas percepções da vida são reais? Será que os compromissos que a gente vai assumindo todos os dias são o que basta na experiência humana? Ou são as sensações, os sentimentos?”

A provocação surtiu tamanho efeito que a peça recebeu, em 2015, o Prêmio Aplauso Brasil de “melhor direção”, e o de “melhor espetáculo” pela Associação Paulista de Críticos de Artes.

Segundo o diretor, o texto tem potencial para fazer rir e incomodar ao mesmo tempo. "As pessoas dão risada, depois se fecham por estarem rindo daquilo e, por fim, geralmente vem o choro trágico. O final da peça emociona muito."

"Ela vai abrindo a ferida aos poucos."

Agora, Os Barulhentos chegam a Brasília para instigar os moradores da capital, onde a política e a burocracia são marcas identitárias. Eles ficam em cartaz entre esta quinta-feira (24) e domingo (27) no teatro da Caixa Cultural.

'Cães vindos do mar'

O nome da peça é o primeiro a provocar estranhamento: "Aqui estamos com milhares de cães vindos do mar". O que aparenta não fazer sentido algum é, na verdade, uma metáfora – desvendada, aos poucos, pelos personagens.

O título faz referência a uma das histórias da coletânea “Cuidado com as velhinhas carentes e solitárias” (2013), do escritor romeno Matéi Visniec, que deu origem ao roteiro do espetáculo.

“No livro, um homem cego tem um telescópio e cobra para as pessoas verem a Lua e as estrelas. Ele se queixa que ninguém tem tempo para contemplação, até que ocorre uma grande virada e ele percebe cães saindo do mar.”

A figura do cego é central na peça, segundo Spina. É por meio da cegueira – mais metafórica que real – que toda a narrativa ganha força. “O personagem que realmente enxerga a vida é o cego. É ele quem mais percebe a realidade.”

Para explicar onde a peça quer chegar, o diretor usa o filme “Matrix” (1999) como exemplo. “É como se a gente achasse que está vivendo a vida, mas será que a gente não está num estado de coma profundo?”

“Seus objetivos são construídos a partir do quê? Como você pauta o seu querer?”

Pátria amada

Ao mesmo tempo em que Os Barulhentos provocam a plateia com questões difíceis de responder, o elenco mergulha em um estado de curiosidade com a temporada em Brasília.

“A gente está muito interessado por conta da questão política, da polarização, porque algumas cenas falam sobre isso. Uma delas retrata soldados mortos que desejam voltar à pátria, mas eles sequer sabem que pátria é essa”, conta o diretor, Rodrigo Spina.

“O que será que a gente acha que é a pátria. O que é o Brasil?”

Ele afirma que a peça não busca oferecer qualquer tipo de resposta e tampouco levanta bandeiras – provocação é o imperativo.

“A gente problematiza para que cada um encontre suas próprias respostas.”

Preto e branco

Tal como um filme em preto em branco, a cenografia, figurinos e maquiagem dão a impressão de que a peça é encenada por trás de um filtro. Em tons de preto, branco e cinza, os personagens ficam imersos em uma realidade um tanto distorcida e, por vezes, sem vida.

“Queríamos construir um cenário realista, mas com um afastamento da realidade como ela é, para provocar estranhamento”, explicou Spina. “Foram muitas tentativas e erros até conseguirmos.”

O resultado é a reação de perplexidade da plateia no primeiro feixe de luz sobre o palco. “As pessoas começam a piscar, achando que pode ser algo de errado com os olhos. Começam a questionar a visão desde o primeiro momento.”

Acessibilidade

A companhia também apresenta o espetáculo para um público com deficiência visual no sábado (26), às 19h. A plateia será guiada pelo cenário para tocar os objetos usados durante a apresentação.

“Alguém vai explicando para eles o que são as coisas e essa descrição cria a realidade imagética do que será construído durante a peça”, disse o diretor.