Leandro Grass ressaltou importância de se trazer informações sobre o tema.

De venda preta nos olhos, onde estava escrita a palavra "GOLPE", os presentes à comissão geral da Câmara Legislativa que lembrou os 55 anos do golpe militar, nesta quinta-feira (4), ouviram trechos de áudios históricos: transmissões radiofônicas da época e depoimentos de vítimas da ditadura. Em seguida, foi entoada a canção "Cálice", de Chico Buarque e Gilberto Gil, lançada em 1978, cinco anos após tido sido censurada. "Nosso objetivo é trazer informação num momento em que fatos são distorcidos para uso político", explicou o deputado Leandro Grass (Rede), que requereu a realização do debate.



O distrital defendeu a "necessidade de marcar posição ante tantos abusos e violências contra pessoas que tiveram seus direitos violados". Ele observou que, ao contrário do que se tenta dizer, o que houve no regime militar foi censura, perseguições e infrações ao direito à vida". Por isso, segundo Grass, "é preciso desconstruir as falácias e as mentiras e mostrar o que, realmente, ocorreu".

Antes dos pronunciamentos dos integrantes da mesa e de depoimentos de vítimas da ditadura, Guilherme Macedo de Souza, professor de História, fez uma contextualização relembrando a sucessão de golpes até a ditadura Vargas e os eventos subsequentes: "Com o suicídio do então presidente, novamente os militares ressurgem. Aí veio JK e, a seguir, Jânio Quadros que renunciou antes de completar um ano de mandato. No início daquele governo, contudo, os militares já afirmavam que Jango [o vice-presidente João Goulart] não tomaria posse".

Desse modo, segundo o professor, é possível perceber como essa situação "está entranhada na sociedade brasileira". Seguindo a história, ele notou que, "depois de tantos episódios em que os militares intervieram e saíram de cena, daquela vez [em 1964] permaneceram. A ala de linha dura venceu. Com Costa e Silva, a ditatura ficou escancarada. É por isso que tudo o que ocorreu a partir de então, jamais, deve ser esquecido ou pode ser tolerado".

Mulheres – Presidente da Comissão da Memória e Verdade da OAB/DF, Maria Victória Hernandez homenageou as vítimas da ditatura. Ela leu uma lista com os nomes das mulheres mortas durante o governo militar e solicitou à plateia que respondesse "presente" a cada citação. "Lembremos que ‘luta' é um substantivo feminino", afirmou, fazendo menção a Marielle Franco. Também falou dos desafios da comissão e referiu-se ao caso da ponte, no Lago Sul, que recebeu o nome de Honestino Guimarães, morto pela ditadura. "Temos de garantir que monumentos não voltem a ter o nome de ditadores", sustentou.

Entre os convidados da comissão geral, estava a escritora Yara Gouveia, anistiada política, que foi presa em 1968. Ela recordou as sessões de tortura, em São Paulo, "que eram feitas pelos policiais do esquadrão da morte". E rememorou as companheiras citadas anteriormente: "A morte delas não foi em vão e não será. Tenho essa certeza. O tempo que me resta para viver será dedicado a levar a verdade aos jovens. Os relatos e testemunhos de tortura ninguém poderá desmenti-los". Ela relatou que foi exilada por uma década. "Voltei para lutar. A luta engrandece, fortalece, dá uma energia que não sabemos de onde veio", declarou, sendo aplaudida de pé.

A deputada Arlete Sampaio (PT), que participou do evento, foi homenageada pelo professor Cristiano Paixão, procurador do trabalho e ex-integrante da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. "Quero saudar a ‘estudante' Arlete Sampaio", disse ao tratar do depoimento "emocionado" da parlamentar sobre a greve realizada pelos estudantes da Universidade de Brasília, em 1977, à Comissão da Verdade Anísio Teixeira da UnB, da qual ele também fez parte e que deve ser recriada. "A geração – como a de Arlete Sampaio – que se colocou contra a ditadura fez surgir uma Constituição democrática", atestou, destacando a responsabilidade com as gerações futuras. Por sua vez, Arlete Sampaio discorreu sobre a necessidade de observar as lições do passado "para que possamos agir daqui pra frente".

O professor enumerou ainda eventos que caracterizaram a ditadura no Brasil, como "a tortura e fazer as pessoas desaparecerem". Na avaliação dele o que ocorre hoje, principalmente, na periferia, é herança direta da ditadura militar. Também frisou que nem todos os militares estavam envolvidos com o governo de exceção: "Cerca de 7 mil deles foram punidos pelo regime", apontou.

Delírio – O deputado Fábio Felix (PSOL) classificou de "delírio falacioso" as afirmações usadas por setores da política e da sociedade "com a intenção de gerar pânico entre movimentos que se caracterizam, por exemplo, pelo fundamentalismo, entre elas ‘o comunismo bate à porta' e que se pretende mudar as cores da bandeira". Já o deputado Chico Vigilante (PT) contou que veio compreender o que realmente tinha ocorrido no país somente em 1979, durante a primeira greve dos vigilantes no DF. "Em 1964, eu tinha 10 anos de idade e residia no interior Maranhão, onde muita gente não tinha conhecimento do golpe", comentou. Eles criticaram atitudes do atual governo que quer negar a ditadura, como o anúncio do ministro da educação de mudanças nos livros escolares.

Conselheiro da Associação Brasileira de Anistiados Políticos, Paulo Canabrava revelou que a reunião de hoje o fez lembrar "que tenho mais de 100 mortos na minha lista de amigos". Ele ratificou a existência da ditadura por meio de diversos fatos: "O presidente estava em território nacional, quando foi decretada a vacância do cargo. No primeiro momento foi avassalador. Foram mais de 30 mil presos e não cabia mais ninguém nos cárceres do país. Sindicalistas e outros tiveram de ser colocados em um navio, no Rio de Janeiro. Todos os sindicatos ficaram sob intervenção. Políticos foram perseguidos e presos e 12 mil cidadãos foram exilados. Tudo isso são coisas que eu vivi".

Para o jornalista e escritor Hélio Doyle, "tudo acontece em função da luta de classes". Ele observou que, ao contrário do que se diz, o golpe de 64 não teve o apoio da população. "Havia apoio de determinados setores. Pesquisas do Ibope realizadas no período, por exemplo, mostravam que a maioria apoiava Jango na presidência", justificou.

Membro da Comissão da Verdade do Sindicatos dos Jornalistas do DF, Chico Sant'Anna, destacou que os livros didáticos, durante o governo militar, "pulavam da inauguração de Brasília para o governo de Castello Branco". Também salientou que o discurso para "dissimular a existência do golpe" é experimentado há anos: "São usadas expressões como ‘ditamole', ‘ditadura light' e mais recentemente, pelo atual presidente, que houve ‘escorregadinhas', tentando desclassificar o terror que foi a ditadura no Brasil".

Marco Túlio Alencar
Fotos: Carlos Gandra/CLDF
Comunicação Social – Câmara Legislativa