Ao todo, seis pessoas de cinco países receberam ajuda e vendem produção em loja cedida por shopping, na Asa Sul.

Por Maria Ferreira*

Isabel Costa, Saturnina da Costa, Lucie Atumesa Nsimba, Dja Franck Lagbre, Akou Avogtnon e Gladys Edem — Foto: Divulgação

Guiné-Bissau, Togo, Costa do Marfim, República Democrática do Congo e Gana. Esses são os países africanos de onde vieram Isabel Da Costa e Saturnina da Costa, Akou Avogtnon, Dja Franck Lagbre, Lucie Atumesa Nsimba e Gladys Edem, respectivamente.

Refugiados no Distrito Federal, eles encontraram na moda uma forma de quebrar preconceitos e conseguir trabalho e renda. Com apoio do Sebrae, de consultores voluntários e uma loja cedida por um shopping da Asa Sul, em Brasília, os estilistas vendem roupas exclusivas que celebram a cultura africana.

Os seis empreendedores foram encontrados vendendo roupas em feiras, eventos de embaixadas e até na frente de casa – nas regiões do Varjão e da Candangolândia. Cenário bem diferente do que tinham em seus países, onde Franck, Lucie e Akou tinham suas lojas próprias.

Modelo veste roupa criada pela estilista do Gana Gladys Edem — Foto: Divulgação

Franck e Lucie são formados em moda em seus países e Lucie complementa a formação com o curso na faculdade de Design na Universidade de Brasília (UnB). Akou aprendeu a arte com uma amiga em um ateliê, no Togo.

A coordenadora do comitê de inserção de imigrantes e refugiados do DF do Grupo Mulheres do Brasil (GMB), Mônica da Silva Alvares, diz que quando o grupo vendia nas rua enfrentava problemas relacionados aos preconceito.

"As pessoas pensam que a roupa vendida na rua não tem qualidade, então o preço baixa e eles não conseguiam ter nenhum lucro", diz ela.

Empreendedorismo

Lucie, Franck e Akou na loja Egalité — Foto: Maria Ferreira

Para resolver o problema, Mônica chamou o grupo e explicou a ideia: usar o talento dos estilistas para criar um projeto que incluísse os refugiados no mercado de trabalho. O objetivo era garantir renda e, de quebra, disseminar a cultura africana em Brasília.

As reuniões começaram em 2016. Aos poucos, vieram a consultoria do Sebrae e de convidados, como as estilistas Nágela Maria e Andréa Monteiro.

Há cerca de um mês, no dia 28 de junho passado, o sonho concretizado: o primeiro desfile e a inauguração da loja no shopping.

Modelo veste roupa criada pela estilista africana Saturnina da Costa — Foto: Divulgação

A cidade escritório e as cores

"Cada país tem suas características culturais e a moda não fica de fora", aponta Mônica. Mas diferentemente dos países africanos, o Brasil – e principalmente a capital federal – não aceitam bem a quantidade de cores e o volume dos cortes da moda trazida pelos refugiados, afirma.

"Brasília é uma cidade escritório."

A coordenadora do comitê de inserção de imigrantes e refugiados se refere às cores sóbrias e roupas formais que o brasiliense usa por causa do trabalho. " A maioria passa o dia, principalmente, em locais ligados aos órgãos públicos", justifica.

Blusa masculina produzida pelos estilistas, que mostra a mistura do tecido colorido com o fundo sóbrio — Foto: Maria Ferreira

O maior desafio, portanto, era tornar a produção dos estilista "palatável" ao público africano e também ao brasiliense, lembra o estilista da Costa do Marfim Franck Lagbre.

"Trazer uma cultura que as pessoas não conhecem é difícil."



Franck diz que o diferencial do projeto foi conseguir misturar as duas culturas nos vestidos, saias, sapatos, bolsas, pulseiras e na moda masculina.

Vestido criado pela estilista africana Saturnina da Costa — Foto: Divulgação

As estilistas brasileiras, que deram a consultoria, ajudaram a fazer os ajustes. Mônica da Silva Alvares lembra que trabalharam, por exemplo, nos recortes das roupas e na sobreposição de peças coloridas com outras, de cor sóbria.

"Também sugerimos modelos que são a cara das brasileiras para que pudessem ser misturadas. Na África eles usam a peça de cima e a de baixo cheias de estampas diferentes, aqui no Brasil, isso não é tão aceito", explica.

"Mas tudo respeitando a cultura e o processo de criação deles."

O trabalho, assegura, foi no sentido de ajudar os estilistas a entenderem a necessidade de usar o talento com foco também na venda. "A renda deles depende da comercialização dos produtos"
.

Modelo do desfile da Egalité — Foto: Divulgação

Para negros e brancos

O desfile do dia 28 de junho, quando a coleção foi lançada, contou também com a solidariedade de uma agência de modelos que selecionou os profissionais sem cobrar por isso.

Na passarela, havia negros e brancos, "o que enriqueceu o ideal de mistura de culturas e de democratização da moda", afirma a estilista Lucie Atumesa, que veio da República do Congo.

"Não é apenas para negros, queremos que todos se sintam à vontade para usar os tecidos, as cores".



Desfile Egalité — Foto: Divulgação


Lucie entendeu ainda mais o conceito de democratização e do lugar onde a moda e suas produções podiam chegar quando viu pessoas influentes usarem suas roupas. A esposa do ex-presidente da República, Marcela Temer, e a primeira-dama do Distrito Federal, Mayara Noronha, usaram roupas criadas pela estilista africana.

O projeto também foi auxiliado pelo chamado "marketing de influência". Antes do lançamento da marca, colaboradores como Mônica e outras mulheres do grupo passaram a comparecer em eventos vestindo as roupas feitas pelos refugiados.

"E deu certo", comemoram.

Croquis das peças da coleção — Foto: Maria Ferreira

Segundo elas, a curiosidade fazia com que as pessoas perguntassem sobre as roupas. Isso foi angariando simpatia e solidariedade que ajudaram a fazer com que o projeto acontecesse.

Além da ajuda do Sebrae, do GMB e da agência de modelos Scouting, o Venâncio Shopping cedeu pelo período de seis meses uma loja. A doação inclui aluguel e condomínio, além de garantir um endereço central para o grupo expor e vender as peças.

Inauguração da loja Egalité — Foto: Divulgação

O nome da loja, "Egalité", significa igualdade em francês. No local, além das roupas da coleção, os estilistas recebem encomendas dos clientes interessados em uma peça exclusiva.
"Tem que sentir isso no seu corpo. Se vestir é sentir", afirma Franck.



Lucie, Franck e Akou na loja Egalité — Foto: Maria Ferreira

Akou, que veio para Brasília grávida e já tinha dois filhos pequenos continua costurando as roupas da família. Entre a timidez e o português que ainda "engatinha" e se choca com sua língua de origem, o francês, ela solta um sorriso.

"Maravilhoso", diz Akou sobre a oportunidade de poder compartilhar sua arte.



Detalhe das peças com tecidos africanos — Foto: Maria Ferreira


Lucie, Franck e os outros refugiados ainda pensam no futuro depois que terminarem os seis meses de empréstimo do espaço. Mas de uma coisa eles têm certeza: não querem deixar o sonho e nem o projeto morrer.

"Queremos continuar crescendo."


Sob supervisão de Maria Helena Martinho*