Audiência proposta pela procuradora especial da Mulher, deputada Júlia Lucy. Em plenário, a parlamentar destacou que nove mulheres foram vítimas de agressão por minuto no Brasil, em 2018.

A fim de quebrar o ciclo de violência intrafamiliar, participantes da audiência pública sobre a questão debateram formas e aspectos dessa violência, bem como experiências no enfrentamento ao problema na manhã desta quinta-feira (21) no plenário da Câmara Legislativa do Distrito Federal.

À frente da Procuradoria Especial da Mulher da CLDF, a deputada Júlia Lucy (Novo) considerou que o conjunto de laços familiares é afetado pela violência quando a mulher é agredida. Lucy destacou que nove mulheres foram vítimas de agressão por minuto no Brasil, em 2018, segundo dados do Instituto de Pesquisa DataFolha. A parlamentar acrescentou que muitas mulheres ainda têm medo de denunciar porque sabem que, ao retornar para casa, vão se deparar com o agressor. Para romper com esse ciclo, Lucy entende ser necessária uma discussão contínua sobre a temática.

Nesse sentido, o juiz titular do Juizado Especial de Violência Doméstica do DF, Bem Hur Viza, reforçou que a mulher tem medo de denunciar e considerou que os índices são "infinitamente maiores do que os registrados". Os ditados populares como "roupa suja se lava em casa" e "em briga de marido e mulher ninguém mete a colher" revelam a cultura da não denúncia, que deve ser rechaçada, segundo o juiz.

Viza relatou que os filhos assistem em casa a situações cotidianas de violência familiar que começam por motivos banais, como o pai que bate na mãe porque a comida queimou. Para o juiz, os próprios homens precisam alertar outros homens – uma vez que a mulher não tem voz – sobre as consequências desse comportamento violento, que serve, inclusive, de modelo para que os filhos se tornem futuros agressores. "Que nós homens possamos ser os protagonistas dessa mudança", conclamou, ao apontar como caminho a desconstrução da cultura da violência. Em uníssono, o deputado Leandro Grass (Rede) defendeu a edificação de uma cultura da igualdade, em que o homem assuma uma posição de parceria com as mulheres, rompendo com a visão de masculinidade tóxica.

"Devemos ser conciliadores e mediadores todos os dias", sugeriu o representante da Secretaria do Atendimento à Comunidade do DF, Tadachi Maier, que também é agente de proteção da Vara da Infância. Também tratou do papel do homem na prevenção da violência familiar o coordenador de Polícia Comunitária da Escola Superior de Polícia Civil do DF, Guttemberg Gomes. Ele elencou programas da instituição que visam mudanças de comportamento de crianças e adolescentes. Ao expor o conceito de violência intrafamiliar como toda a ação ou omissão que prejudique o bem-estar e a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de outro membro da família, Gomes elencou fatores de risco, como as famílias baseadas em posições desiguais de poder e as famílias com maior incidência de abusos de drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas.

Por sua vez, o especialista em segurança pública pelo Instituto Superior de Ciências Policiais, coronel Santana, que viajou por 42 países debatendo o tema, defendeu mudanças no "ecossistema social" e sugeriu a inserção de disciplina sobre processos de educação e segurança nas escolas.

Experiências – Durante a audiência, diversas experiências no enfrentamento à violência intrafamiliar foram relatadas, a exemplo do Laço Branco, iniciativa canadense, iniciada em 1984, que surgiu da "necessidade de conscientização do suposto agressor", de acordo com a advogada especialista no Protocolo Internacional de Combate ao Feminicídio, Patrícia Luiza Zapponi. A advogada, que promove encontros de mulheres há mais de duas décadas, defendeu a "ressignificação da postura do homem na família e na sociedade".

Como parte do conjunto de violências sofrido pela mulher, o advogado especialista em Direito da Família, Charles Bica, citou a invisibilidade das mulheres que criam sozinhas seus filhos. Coordenador do movimento Abandono Afetivo, com quase cem mil mulheres, ele considera que o abandono paterno dos filhos é uma "forma cruel e silenciosa" de violência familiar. Ainda na linha da violência familiar, o presidente do Conselho de Erradicação de Discriminação da Organização dos Estados Americanos (OEA), Anderson Santana, citou ações de cooperação para eliminar a violência contra as pessoas com deficiência e rechaçou a imagem do homem como o "grande provedor e o macho alfa".

Por outro lado, o pastor da Igreja Brasileira Anderson Silva, que desenvolve projetos sociais em Samambaia sobre a "reconfiguração das famílias", considerou que "o homem não pode ter vergonha de ser homem". Ele combateu as diversas formas de violência e defendeu igualdade entre homem e mulher, inclusive nas funções domésticas. Outras experiências de grupos que trabalham com violência familiar foram narradas durante a audiência, cujos participantes manifestaram ainda o desejo de manter debate contínuo sobre o tema.

Franci Moraes
Fotos: Silvio Abdon/CLDF
Núcleo de Jornalismo – Câmara Legislativa