Oneide de Souza Ribeiro que foi merendeira, faxineira e chegou ao posto de diretora, no Paranoá, no DF — Foto: Arquivo pessoal

Oneide de Souza Ribeiro aprendeu a ler com a avó, com quem morava em uma casa de adobe, com telhado de palha, sem água encanada e energia elétrica, no interior de Goiás. Após se mudar para o DF, ela passou em concurso para merendeira e foi atrás de outros sonhos.

Por Mara Puljiz, G1 DF

Foi em uma casa de adobe, com telhado de palha, sem água encanada e nem energia elétrica, em Montividiu do Norte (GO), que Oneide de Souza Ribeiro passou parte da infância. A avó, Maria Soares, com quem morava, ensinou a menina a ler e escrever.

"Era pobre pobre, pobre, de marré, marré, marré", diz Oneide, usando uma música infantil. A única lembrança desses tempos, é uma pintura que fez questão de emoldurar para pendurar na parede.

"Dizem que amor de avó é maior que amor de mãe. E amor de neto criado com avó não se explica", diz Oneide, que perdeu a avó em 2013, quando ela tinha 93 anos.

Do interior de Goiás, Oneide se mudou para Brasília onde, segundo ela "correu atrás dos sonhos". Na capital federal, a menina pobre foi faxineira, merendeira, professora e, agora, é diretora de uma escola pública na região do Paranoá.

Oneide Ribeiro, aos 11 anos, com a avó Maria Soares que a ensinou a ler e escrever — Foto: Arquivo pessoal

A vida em Brasília

Oneide mudou-se para a capital federal aos oito anos. Morou em Sobradinho com os pais e os irmãos, e, depois, no Paranoá.

Quando adolescente, decidiu fazer um curso técnico em contabilidade. "Eu detestava, mas naquela época era o que tinha de estágio remunerado para conseguir estudar e poder me sustentar", conta.

Oneide estudava à noite e trabalhava durante o dia. "Eu pegava o último ônibus. Se perdesse, ia dormir na parada porque não tinha dinheiro pra pagar táxi, não tinha telefone e nem internet naquela época pra gente se comunicar com a família. Eram momentos muito difíceis", lembra.

Para procurar emprego, Oneide conta que caminhava por uma hora e meia, do Lago Sul até a W3, na área central de Brasília, entregando currículo. Ganhava dinheiro fazendo faxinas, mas queria mesmo era ser professora, por isso, continuou estudando.


Oneide e Valter se casaram em 1990, após passarem em concurso público da Secretaria de Educação do DF — Foto: Arquivo pessoal

Depois que terminou o curso técnico, Oneide resolveu fazer o "2º grau" novamente, desta vez, apostando no curso científico, atual Ensino Médio. Em 1987 ela passou para o concurso de merendeira da Secretaria de Educação do DF, mas só foi chamada em 12 de março de 1990, aos 21 anos.

O então noivo, Valter Santos, passou no mesmo concurso, para vigilante. Eles se casaram quatro meses depois.

Oneide estava trabalhando em uma escola, como desejava. Mas conta que não se adaptava à rotina de preparar as refeições para mais de 300 crianças.

"O primeiro arroz com feijão que eu fiz, ficou uma papa. Tava gostoso, mas uma papa. A diretora da escola virou uma onça. Eu sou baixinha e também não dava conta de lavar as panelas", lembra.

Oneide pediu para ser remanejada para a equipe da faxina, e conseguiu. Foi mais um passo para chegar ao lugar que sonhava.

Faxina e alfabetização dos colegas

Oneide de Souza Ribeiro quando era faxineira de uma escola do Paranoá, dando aulas para colegas que não sabiam ler e escrever — Foto: Arquivo pessoal

Quando começou a trabalhar na limpeza, Oneide percebeu que muitos colegas não sabiam ler e nem escrever. "Eu deixava o rodo, o pano e ia ensiná-los", conta.

A iniciativa virou até notícia em um folhetim do sindicato dos agentes de conservação e limpeza da época (veja foto acima).

"Durante esse tempo, fiz seminários, congressos e me preparei. Fiz a complementação pedagógica para o magistério. Qualquer coisa que eu soubesse que era de graça, eu ia fazer", diz ela.

'Caramba, aconteceu!'

Em 1997, a então faxineira fez o concurso para o magistério. "Eu quase gabaritei a prova. Tudo o que eu aprendi nos seminários foi o que caiu. Acho que errei no total umas cinco questões", diz, orgulhosa.

Em 1999, Oneide deu a primeira aula para crianças. Emocionada, ela descreve a sensação de colocar os pés em uma sala de aula, como professora, pela primeira vez.

"Eu pensei: caramba, aconteceu! A gente fica um pouco incrédula. Parecia uma coisa tão distante. Foi uma mistura de alegria, nervosismo, satisfação, tudo junto", diz Oneide.

Durante 12 anos, ela cumpriu a rotina de dar aulas. Até que, em 2006, foi convidada para assumir a direção do Caic Santa Paulina, no Paranoá – uma escola com 1,3 mil alunos.

Pandemia e reforma


Durante a pandemia, a diretora Oneide aproveitou para reformar o CAIC no Paranoá, no DF — Foto: Arquivo pessoal

A ex-faxineira encarou e, mesmo como diretora, não deixou os estudos. Ela fez quatro especializações na área da educação.

Durante a pandemia do novo coronavírus, surgiram outras batalhas. Precisando reformar a escola, Oneide foi atrás de emendas parlamentares e, junto com a equipe do Caic, conseguiu arrumar o espaço para quando as aulas presenciais voltarem.

Foram feitas mudanças na quadra de esportes, nas salas, no refeitório e nos armários. O Caic Santa Paulina ganhou até pintura nova.

Agora, Oneide não vê a hora de a vacinação chegar para todo mundo. O sonho é poder reencontrar e abraçar os alunos.

"Tem uma frase que eu nunca vou esquecer. 'A gratidão é a memoria do coração', então vou ser sempre grata a Deus, aos meus pais, a minha avó, ao meu marido, aos meus filhos" .

Olhando pra traz, Oneide diz que sente um enorme orgulho. "Não posso esquecer minhas origens. Eu tenho muito orgulho de passar por tudo que passei, porque só sou o que sou pelo meu passado".

Filhos formados

Oneide de Souza Ribeiro dos Santos nasceu em Formoso de Goiás, em 12 de maio de 1969. É a primogênita de seis irmãos, filhos da auxiliar de serviços gerais Maria Luiza de Souza e do vigilante Domingos Anelson Ribeiro.

Casada com o vigilante Valter Santos, ela tem dois filhos formados, como gosta de dizer. "O de 31 anos é advogado e professor de jiu-jitsu. A menina, de 28, é esteticista", comemora.