A carência de tratamento para as dependentes químicas encarceradas no Presídio Feminino do DF (Colmeia) influencia na reincidência delas no crime, como mostrou o Jornal de Brasília nesta semana. Um projeto piloto oferece uma solução para o cenário, apesar de ainda não ter saído do papel. A ideia é levar para dentro das celas uma possibilidade de recuperação do vício antes mesmo do cumprimento da pena.

Idealizador do projeto, o fundador da ONG Salve a Si, Henrique França, explica que a iniciativa espera tratar voluntariamente as presas a partir de 12 passos, terapia aplicada do lado de fora da Colmeia em qualquer compulsão.

“A prisão é consequência do mau uso da liberdade, dos próprios atos e do vício. No Brasil, a população carcerária feminina ultrapassa 35 mil mulheres, sendo que cerca de 80% delas estão envolvidas com a droga, seja pelo uso, tráfico ou transporte da substâncias para os companheiros, filhos, irmãos. Isso é um absurdo. Ela deveria estar presa? Claro que sim, está cometendo um crime. O absurdo é ela não ter consciência da sua conduta e que isso manchará sua vida”, afirma.

Diante disso, França ressalta que a intenção do programa é alertá-las. “Vamos ministrar palestras e convidá-las a receber o tratamento. Ninguém será obrigado a aderir”, informa. No entanto, caso aceitem a ajuda, será a oportunidade de adquirir consciência a respeito da doença e suas consequências. “Anos de experiência na área nos mostraram que a mulher tem mais facilidade para mudar um comportamento inadequado”, completa.

Intitulado “A porta da liberdade só se abre por dentro”, o projeto já tem custo definido com material e mão de obra. O gasto será de R$ 10 mil mensais durante seis meses, sendo que nos primeiros 30 dias o valor será de R$ 18 mil. “A expectativa é de que a verba venha do Fundo Penitenciário do DF. Já apresentamos a proposta à Subsecretaria do Sistema Prisional (Sesipe), mas antes da recente mudança de gestores. Estamos tentando um novo contato com a pasta. Também vamos buscar ajuda do Ministério Público”, declara o fundador da Salve a Si.

Se concretizado, os encontros com as detentas serão realizados três vezes na semana. “Inicialmente, gostaríamos de atender uma média de 35 mulheres. Não temos estrutura para mais do que isso, inclusive, por falta de escolta. Dentro da Colmeia tem uma sala de oficinas livre que esperamos utilizar”, acrescenta. Ele pretende contar com a participação de estudantes de Psicologia e depoimentos de dependentes em recuperação.

França alerta para a importância do cuidado com a população carcerária. “Quando um adicto se encontra preso é porque ele já perdeu o controle de todas as áreas da sua vida: física, mental, moral, social, financeira, profissional, familiar e espiritual”, aponta.

12 passos

1 – Admitir que é impotente perante a adicção.
2 – Acreditar que um poder maior pode devolvê-lo à sanidade.
3 – Decidir entregar a vida aos cuidados de Deus.
4 – Fazer um minucioso inventário moral de si próprio.
5 – Admitir a natureza exata de suas falhas.
6 e 7 – Pedir que Deus remova todos os defeitos.
8 e 9 – Se retratar com as pessoas que prejudicou.
10 – Continuar fazendo o inventário pessoal e admitir quando estiver errado.
11 – Procurar através da prece e da meditação melhorar o contato consciente com Deus.
12 – Levar esta mensagem a outros adictos.

Exemplos auxiliam na mudança

Com o projeto, Henrique França almeja diminuir a reincidência em 80%. “Queremos contagiá-las de tal forma que não queiram mais passar perto da droga. Vamos levar outras dependentes e mostrar que é possível estacionar o vício. Elas precisam se identificar com a nossa vida pregressa”, destaca.

O projeto é baseado em um modelo americano e não se resume à atenção dada às detentas. Segundo o idealizador, as famílias também carecem de tratamento. “Na maioria dos casos, o dependente é fruto de um lar desestruturado. Portanto, não adianta ela sair da Colmeia em recuperação e ser acolhida por um lar doente. Nosso objetivo é estender esse atendimento”, completa. Além disso, ele ressalta que o cenário dentro da penitenciária também deverá mudar. “Será preciso separar as encarceradas em recuperação das demais”, conclui.

Convidada para participar do projeto, a dona de casa Layane Maria da Conceição, 29, é uma dependente em recuperação que já foi presa por envolvimento com droga. Ela está há dez anos longe do vício. “Meu primeiro contato foi ao dez (anos). Tinha acabado de chegar a Brasília. Vim do Piauí sozinha para tentar a vida. No interior, era comum os pais mandarem os filhos para a cidade grande atrás de oportunidade, mas eu não sabia fazer nada. No primeiro emprego na casa de uma família fui mandada para a rua e por lá fiquei”, lembra.

Layane relata que não queria voltar para casa e decepcionar os pais. “Passei dez anos usando todo tipo de droga e apanhando da polícia. Fiz muita coisa errada até ser ajudada por um projeto social. Eu entendi minha doença, entendi que não tem cura e que, se eu não cuidar, ela vai me atacar e vou perder tudo mais uma vez”, diz.

Mãe de três meninas, a dona de casa só tem lembranças ruins daquela época. “Tive que comer lixo, mas o pior foi passar frio com as minhas duas filhas mais velhas. A droga me tomou tudo, até minha identidade eu esqueci. Atendia por drogada, “noiada” e bandida”, lamenta. Hoje, porém, Layane comemora sua fase atual. “Sou membro produtivo da sociedade e uma mãe presente. A minha gratidão é eterna. Agora, quero ajudar outros dependentes”, conclui.

Foto: Geyson Lenin/Cedoc
Jornal de Brasilia