Os gritos de ameaça e o barulho de objetos jogados no chão em uma casa de Ceilândia são ouvidos de longe. Testemunhas dizem que é o filho, sob efeito de álcool ou drogas, que violenta os pais com certa frequência. Quando a polícia é acionada, os dois, já idosos, têm medo, negam agressões e retomam a vida até o próximo “incidente”. O caso não é isolado. A violência contra a pessoa idosa lidera ocorrências na Polícia Civil. Somente neste ano, foram quase 500 denúncias à Central Judicial do Idoso e, em 2016, o Disque 100 registrou uma média de duas denúncias diárias no DF.

O perigo mora em casa e geralmente vem de muito perto. Os idosos, vítimas principalmente de casos de negligência, abuso financeiro e violências física e psicológica, sofrem especialmente nas mãos dos próprios filhos ou de quem tem algum vínculo familiar. Os casos vão desde humilhação, ameaças e chantagens até apropriação e retenção de bens, lesão corporal, maus tratos e tentativa de homicídio. Hoje, em todo o mundo, o dia é marcado pela conscientização desse tipo de crime.

“Denunciar, a gente denuncia. É um absurdo que se faça isso com qualquer pessoa. Pior ainda se são idosos e muito mais grave se são os próprios pais. Mas é difícil fazer algo além disso quando as próprias vítimas negam querendo proteger os agressores”, afirma uma vizinha que presencia a situação em Ceilândia. Ela prefere ter a identidade preservada e diz temer pelo pior: “Que Deus os proteja!”.

Pelo Disque 100, 829 denúncias foram registradas no DF no ano passado – uma média de quase 140 ligações mensais ou duas diárias. Isso colocou a capital entre as dez Unidades da Federação com maior número de casos, se considerada a quantidade de habitantes. A maior parte das vítimas são mulheres (62,81%), 82% das violações ocorrem dentro de casa e 71% dos suspeitos têm vínculo familiar.


No topo da lista

Os abusos contra idosos representam mais da metade das denúncias registradas na Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou Contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin). Das 278 denúncias do ano passado, 176 violavam direitos dos maiores de 60 anos. A maioria por violência psicológica, financeira e negligência. Neste ano, até o início desta semana, 60 casos já foram comunicados na especializada.

“Normalmente, não são casos isolados. São relatos de coisas que acontecem há anos. Por isso, acreditamos que as pessoas tenham ganho coragem e confiança na PCDF com nosso trabalho de convencimento de denúncias”, afirma Gláucia Cristina, titular da delegacia.

Qualquer pessoa pode denunciar pelo 197 e o caso será apurado. “Muitos tentam retirar a queixa, mas não é possível. Como muitas vezes o suspeito é filho, a pessoa quer que a violência cesse, mas não quer que o filho responda porque é capaz de perdoar”, observa.


Saiba mais
O dia 15 de junho marca o Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa. A data foi instituída em 2006, pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Rede Internacional de Prevenção à Violência à Pessoa Idosa.
Segundo o IBGE, a população acima dos 60 anos representa cerca de 9% dos moradores do Distrito Federal. A maioria é do sexo feminino.

Plano Piloto lidera busca por ajuda

Pioneira no País, a Central Judicial do Idoso recebe todo tipo de demanda envolvendo os mais velhos. A coordenadora, Márcia Domingos, que também é defensora pública, explica que as denúncias precisam ser feitas pessoalmente pela vítima, por cuidadores ou por qualquer pessoa que suspeite de violação dos direitos. “Buscamos ouvir todos os envolvidos e encontrar solução o mais rápido possível. Em último caso, entramos com ação judicial. Trabalhamos o empoderamento do idoso, os ensinamos a lutar pelos direitos”, afirma.

Ali, diz, apesar de muitos suspeitos negarem, investigações acabam comprovando as denúncias. No ano passado, 3,5 mil atendimentos foram realizados com demandas apresentadas, em sua maioria, pelos próprios idosos. Na maior parte das vezes, há mais de uma violação. “No DF, os maiores índices de agressores é do Plano Piloto, seguido por Taguatinga e Ceilândia. A desestruturação das famílias pode ter relação”, revela. A profissional critica a falta de políticas públicas distritais: “Aqui, a situação é a pior possível. O governo não investe, não capacita e não tem visão especial para a pessoa idosa. Eles ficam à margem”.

Quem trabalha com acolhimento vê de perto a dor enfrentada por eles, como Thiago Meneses, assistente social do Lar dos Velhinhos Maria Madalena, no Núcleo Bandeirante, onde vivem 88 pessoas. “Graças à legislação, que hoje é mais forte, a violação tem diminuído, mas o abuso financeiro é o maior deles. Há familiares que chegam a nos ameaçar”, conta. Para ele, é importante aumentar o debate para que as pessoas saibam que a violência acontece, apesar de, muitas vezes, ser velada.

Foto: Breno Esaki
Jéssica Antunes/ JBr