'Vou chegar ainda mais longe', disse Nadine, que chegou ao Brasil em 2013. Cerimônia de registro da advogada foi nesta sexta-feira.

Por Marília Marques e Bianca Marinho, G1 DF e TV Globo

Nadine Taleis é haitiana e foi acolhida como refugiada no Brasil em 2013 — Foto: Marília Marques/G1

A emoção tomou conta do auditório da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no Distrito Federal, na manhã desta sexta-feira (7). Entre os 80 profissionais que receberam a carteira de registro, as atenções se voltaram para uma mulher em especial: a imigrante haitiana Nadine Taleis, de 35 anos.

Deficiente visual, a mais nova advogada do DF chegou ao Brasil em 2013. Ela era uma das sobreviventes do terremoto que deixou mais de 250 mil mortos e detruiu a capital do país do Caribe, em 2010. Nadine perdeu quase toda família.

Antes de morar em Brasília, a imigrante passou dois meses como refugiada no Acre. "Não foi fácil pra mim. Sai do meu país, muito pobre e onde o povo estava vivendo uma prisão por causa da violência", lembrou durante o discurso como oradora da turma.

"Não falo isso para parecer vítima, mas o Brasil me acolheu como uma segunda mãe. Quero fazer mais e chegar ainda mais longe."

Nadine estende braço para fazer juramento da OAB; cerimônia foi nesta sexta (7), em Brasília — Foto: Edu Paiva/Reprodução

Conheça mais detalhes da história de Nadine Taleis

A chegada em Brasília

Quando chegou ao Brasil, Nadine foi levada para o município acreano de Brasiléia onde morou em um ginásio, junto com 1,3 mil refugiados. De conhecido, havia apenas um tio que nesta sexta fez questão de acompanhar a cerimônia na OAB.

"Todos os dias eu chorava e orava."

Desacreditada e cega, ela foi rejeitada em todas as seleções para emprego. Mesmo falando francês, português, espanhol e inglês, a possibilidade de trabalho parecia distante.

A esperança voltou a surgir quando ela conheceu um casal que hoje chama de "pai e mãe". O encontro foi por meio da filha deles, no Acre, enquanto Nadine traduzia, de forma voluntária, os documentos e currículos de outros refugiados.

"Mesmo sem emprego, eu sabia que tinha que ajudar as outras pessoas, e as portas iam se abrir pra mim."

Nadine Taleis ao lado do tio após cerimônia na OAB-DF — Foto: Marília Marques/G1

Amor aos estudos

Acolhida pela família brasiliense, Nadine foi morar no Guará e decidiu pôr em prática o antigo sonho de fazer um curso superior. Após quatro anos de estudo, "sem faltar um dia sequer", ela se formou em Direito como bolsista de uma faculdade particular, em Vicente Pires.

"Quando não estudo, eu fico doente. Sou muito apaixonada pelo Direito."

No dia a dia, a estudante precisou se esforçar ainda mais para acompanhar as aulas. "Eu não poderia perder nem uma aula, porque no meu caso, eu precisava gravar o conteúdo para não ficar perdida".

Grata, ela lembra que contou com o apoio dos colegas. Eles faziam silêncio na sala para que Nadine pudesse ouvir os professores e registrar as aulas em um gravador. O aparelho era o único recurso que a estudante dispunha para aprofundar os assuntos em casa.

Nadine passou três meses em abrigo superlotado de imigrantes no Acre logo após chegar ao Brasil, em 2013 — Foto: BBC

A motivação para nunca não desistir, conta, vem das lembranças da vida no Haiti. Nadine quer se especializar em direito tributário internacional e, no futuro, se tornar juíza. Mas agora, a meta é conseguir um emprego e ajudar outros imigrantes e pessoas com deficiência visual.

"Quero conseguir uma vaga em um escritório de advocacia para me manter no Brasil. Preciso continuar o meu sonho de defender a lei e os meus clientes."

Lembranças do terremoto

Nadine Taleis se descreve como uma sobrevivente. Ela estava em Porto Príncipe, capital do Haiti, quando a região foi atingida por um terremoto que deixou 250 mil pessoas mortas, em 2010.

"Foi um momento de terror em minha vida, o terremoto destruiu minha cidade."

Haiti chora os mortos do terremoto de 12 de janeiro de 2010

Nadine Taleis, oradora da turma, em cerimônia da OAB-DF — Foto: Marília Marques/G1

Nadine perdeu tudo. A casa, os pais, parentes e amigos. Ela afirma, no entanto, que a esperança de uma vida melhor nunca foi atingida.

"Eu vivi um pesadelo e, hoje, estou acordando, por isso deixo meus agradecimentos a Deus", afirmou, emocionada, ao segurar nas mãos a carteira que lhe dá o título de advogada.

"Agora sou muito feliz".