Às vésperas do Dia das Crianças (12/10), a Agência Brasília publica reportagem especial para alertar pais e responsáveis sobre o uso das redes sociais.
Uma briga entre irmãos – um caçula de 7 anos e uma menina de 12 – foi parar na Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) do Distrito Federal. Sentindo-se injustiçada em uma briga familiar, a adolescente não deixou por menos e revelou um segredo: “Deem uma olhada no tablet dele”. Ao conferir o material, os pais tomaram um susto. O menino tinha acessado inúmeros sites de sexo e de garotas de programas e salas de bate-papo. Preocupados, os responsáveis procuraram a DPCA.
Esse é só um dos casos que ilustram a atuação da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) no combate ao crime de pedofilia nos meios digitais. Obviamente, o episódio acima não configura exatamente um caso de pedofilia – termo, aliás, que agentes de polícia nem gostam de usar (preferem abusador), mas esboça a vulnerabilidade das crianças e adolescentes no mundo virtual.
“A internet é um grande mundo onde nunca sabemos com quem estamos lidando, ali do outro lado, ou o que acontece. E as crianças têm acesso ilimitado a esse universo, um acesso não fiscalizado, não regulado, não orientado. Não existe uma educação digital. Nem para as crianças, nem para os pais”, observa a delegada Ana Cristina Melo Santiago, desde 2017 à frente da delegacia.
O combate à pornografia infantil e a crimes de pedofilia na internet no DF é feito diretamente pela DPCA e pela Delegacia de Repressão aos Crimes Cibernéticos (DRCC). A primeira aposta no lado humano e psicológico das vítimas. A segunda, específica na área técnica, centraliza esforços no trabalho de rastreamento dos possíveis criminosos.
As atividades são desenvolvidas por dois policiais, ambos especializados no assunto, que usam ferramentas norte-americanas no enfrentamento dos vários problemas relacionados ao crimes digitais contra crianças e adolescentes. A parceria entre a DPCA e a DRCC está em curso desde abril de 2017 e envolve mais dez agentes.
“A partir desse ano começamos a fazer nossas próprias operações, porque o pessoal já foi treinado e temos todas as ferramentas para desenvolver os trabalhos. Agora podemos andar com nossas próprias pernas”, explica o chefe da DCRR, Giancarlos Zuliani.
“Feito o rastreamento, um relatório é preparado identificando as pessoas, o que nos credencia a entrar com um mandato de busca e apreensão. Vasculhamos os computadores do suspeito”, completa Zuliani. “Se achamos material de pornografia a pessoa é presa em flagrante.”
Configura crime de natureza pornográfica relacionado à pedofilia nas redes sociais baixar qualquer tipo de material, produzir registro sobre o assunto ou difundi-lo. “Quando você difunde, a pena é maior”, acrescenta o chefe da DCRR.
Importância da prevenção
Para Ana Cristina Melo Santiago, o melhor caminho contra o estupro virtual é a prevenção. Daí a extrema importância da presença dos pais. “Eles têm que ficar atento com o que está acontecendo em volta. Achar que o filho está seguro, por ficar dentro do quarto, é uma ilusão. Elas podem estar correndo o maior perigo dentro da própria casa”, avalia.
Segundo a delegada, aquelas crianças e adolescentes que ficam mais “soltas”, ou seja, sem a supervisão dos responsáveis, são as prováveis vítimas não apenas desse tipo de delito, mas de crimes em geral. Foi o que aconteceu com uma jovem de 14 anos de Planaltina, assediada pelas redes sociais por um hacker do Espírito Santo, em 2014. O caso ganhou as manchetes nacionais e teve envolvimento da PCDF depois que a garota procurou a delegacia com a ajuda de um amigo.
“Só soube o que estava acontecendo depois que o rapaz foi preso. Ela ficou muito tempo sofrendo sozinha. A gente fica mais preocupado com os problemas do dia a dia e esquece do que está do nosso lado. Foi falha nossa”, admite a mãe da garota, hoje com 18 anos. “Adolescência é uma fase difícil, eles não são muito abertos, não são de falar o que está acontecendo, ela não teve coragem de nos contar. Preferiu se abrir com um amigo”, desabafa.
Preso na cidade capixaba de Alegre, em agosto de 2018, o jovem de 23 anos, conhecido no mundo cibernético com o pseudônimo Snow, coagia a adolescente para enviar fotos íntimas da vítima. Durante as conversas, Snow pedia que ela se tocasse intimamente. Se não fosse atendido, o abusador ameaça divulgar fotos e vídeos pelas redes sociais. Acusado de crime similar em Santa Catarina e no Paraná, o rapaz foi condenado a 12 anos de prisão e devidamente recolhido ao Complexo Penitenciário da Papuda, no DF.
Alerta e humanização
Para fazer o atendimento dessas vítimas na DPCA, o procedimento é bem específico. A começar pelo ambiente. Nada de balcão de delegacia, grades ou gente entrando algemada.
Visando dar mais tranquilidade a agentes e privacidade às vítimas na hora de registrar as ocorrências, dois boxes privativos foram construídos na entrada principal. Salas especiais pintadas, decoradas e mobiliadas com objetos e cores alegres, recebem as vítimas para oitivas com acompanhamento da polícia judicial. Ali, agentes capacitados gravam em áudio e vídeo os depoimentos dos pequenos.
Na página da PCDF é possível ter acesso a um protocolo e ao manual que norteiam esses procedimentos. Desenvolvidos em parceria com a Universidade de Brasília (UnB), o documento tem sido adotado por outras polícias do país.
“A UnB entrou com toda a metodologia científica e a PCDF com o conteúdo e a parte técnica”, destaca a delegada. “Existe uma legislação muito nova, a lei 13.431, que criou esse novo sistema de garantia de atendimento de criança e adolescente, estabelecendo vários requisitos para as oitivas”, explica.
Assim, a Justiça pode analisar se a conduta suspeita se enquadra na legislação brasileira. A outra providência é não assustar o suspeito. Isso porque existe a possibilidade de o criminoso apagar tudo diante da simples ameaça de chamar a polícia, por exemplo. “Ele pode apagar tudo, daí não vai ter como rastrear, não vamos nunca chegar a essa pessoa”, alerta.
Algumas dicas de segurança listadas pelo site MdeMulher:
*Nem entre quatro paredes seu filho está seguro;
*Mantenha o computador que as crianças usam em áreas comuns, como a sala de estar, e com o som aberto (sem fones de ouvido);
* Navegue junto com os pequenos nos primeiros anos de contato deles com a internet;
* Altere as configurações do YouTube para que o site não faça indexação de vídeos. Isso significa que diminuirão as sugestões de outros vídeos relacionados que surgem no canto da tela ou no fim de cada exibição;
* Não proíba os pequenos de entrar em redes sociais, embora não sejam recomendadas para menores de 13 anos. Se fizer isso, eles entrarão escondidos. Melhor conversar sobre os riscos e convencê-los a nunca adicionar estranhos. Atenção: crianças não têm 300 amigos;
* Não tente controlar cada passo online de um filho adolescente. Dialogue com ele sobre a vida virtual e mostre como evitar riscos. Assim, ele não a verá como uma “bisbilhoteira”;
* Se seu filho joga pela internet com desconhecidos, oriente-o a criar um apelido e nunca abrir informações pessoais. Aborde noções de privacidade – e o valor disso – com crianças e adolescentes;
* Explique a importância de nunca repassar a senha a amigos;
* Estabeleça horários para navegar e não deixe seus filhos conectados o dia todo;
* Oriente os pequenos a não publicar informações sobre os locais que frequentam.
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