Andre Borges/Agência Brasília.

Tribunal de Contas denuncia falha na gestão e conselho aponta baixo nível nutricional em itens industrializados

Os alunos da escolas públicas do Distrito Federal não comem carne vermelha natural na merenda há quase um ano. Dentro de dois meses, o preocupante aniversário será amargado sem palmas. O sumiço do alimento típico do Brasil é um dos sinais das fragilidades na gestão da alimentação escolar. Desabastecimento, compra de produtos duvidosos e sobrepreços nas licitações colocam em risco a alimentação e o desenvolvimento das crianças.

O Fundo Nacional de Desenvolmento da Educação (FNDE) destacou um grupo de técnicos fazer um pente-fino na rede pública. Afinal, a União repassa uma verba de auxílio para a alimentação escolar de estados e municípios. Após visitas na Secretaria de Educação e escolas, ao longo dos próximos 30 dias, a instituição emitirá relatórios para o GDF e o Tribunal de Contas da União (TCU).

Contando a partir de 2012, o Tribunal de Contas do DF (TCDF) analisou 17 processos referentes à merenda escolar. Deste total, sete ainda estão em curso. A fiscalização apontou para um quadro com falhas gritantes na gestão. No processo 20120/2016, por exemplo, a corte identificou o sobrepreço na aquisição de 7 itens alimentícios em uma compra de R$ 53 milhões. Após o puxão de orelha, o Executivo baixou a licitação para R$ 37,2 milhões.

Na falta de alimentos saudáveis, itens polêmicos ganharam os cardápios das escolas, como a pipoca. Criticada por pais e professores, mas presente nos lanches até hoje. “É um cenário no mínimo de muita irresponsabilidade. O Conselho Regional de Nutricionistas (CRN) intensificou as denúncias do descumprimento da legislação há um ano. Mas as autoridades não dão respostas. Apresentam muitas desculpas e obstáculos, mas poucas soluções. Falta compromisso com a saúde das crianças”, alertou a conselheira-diretora do CRN, Ygraine Hartmann.

O avanço de alimentos processados e enlatados é outro ponto alarmante. Por exemplo, a carne vermelha natural desapareceu, mas versão industrializada ganhou os pratos. Segundo Hartmann, enlatados apresentam baixo valor nutricional, conservantes e excesso de sódio. O próprio FNDE restringe a oferta da comida processada, em função dos riscos para saúde das crianças na vida adulta.

Secretaria nega problema

Garante o governo Rollemberg (PSB), que a alimentação escolar na rede pública vai muito bem. Em nota, a Secretaria de Educação negou a existência de problemas no sistema de abastecimento, embora confirme a ausência da carne in natura desde julho de 2017. Evitou comentar sobre outros itens.

Segundo o Executivo, o último contrato da proteína bovina natural foi com a empresa JBS S/A, envolvida vários processos da operação Lava Jato. Por recomentada do TCU e da Procuradoria-Geral do DF, o contrato não foi prorrogado.
Frango e peixe
“Uma nova licitação está em curso para atendimento deste insumo. Entretanto, como oferta de proteína animal, o cardápio possui frango in natura (peito, coxa/sobrecoxa), filé de peixe in natura (merluza e mapará), ovo de galinha e frango cozido desfiado, ou seja, não há prejuízo nutricional aos estudantes”, garantiu a pasta.

Mas, apesar do discurso de normalidade, novos episódios, no mínimo, polêmicos, brotam frequentemente. Nesta semana, o TCU suspendeu uma licitação de frutas, verduras e legumes para a merenda escolar brasiliense. A partir de análise do ministro Bruno Dantas a Corte identificou indícios de 340% de sobrepreço na compra.

Neste caso, a justificativa do governo é uma suposta troca de planilhas. “Não houve superfaturamento na aquisição de alimentos para a merenda escolar. A planilha de valores encaminhada ao TCU para prestação de contas estava errada, não correspondendo ao valor que foi contratado por meio de licitação”, argumentou.

A pasta alega que enviou o documento “correto” para o TCDF, conseguindo então o aval para a licitação. “Um novo documento, com as informações atualizadas, será enviado ao TCU dentro do novo prazo estabelecido pela corte, que é de 15 dias”, prometeu a secretaria.

Saiba mais

Alimentação saudável não é favor do governo para as crianças. A oferta de alimentos de qualidade é um direito previsto na Constituição. Detalhado e reforçado pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). O FNDE destina para verba específica para esta missão. Resumo da opera: é direito do cidadão, do contribuinte, do eleitor. Sendo um dever dos governantes.

Falta criatividade na gestão da alimentos, segundo o CRN. Por exemplo, o GDF gasta dinheiro público para a aquisição de roscas e biscoitos. Ao invés dessa aposta doce e questionável do ponto de vista nutricional, a conselheira-diretora Ygraine Hartmann sugere um teste com a farinha para a produção de tapioca. Um alimento regional, com valor cultural e saudável.

Segundo o CRN, neste semestre, em Ceilândia, centenas de pacotes de biscoitos de rosca teriam sido jogados fora. A suspeita é de que os alimentos estavam estragados.

Fonte: Jornal de Brasília