Médicos da rede particular foram contrários à opção de Alais, que insistiu até conseguir. Foto: Kleber Lima/Jornal de Brasília

O direito de escolha ao método contraceptivo fica só no papel

O corpo é da mulher e as escolhas de quando e como engravidar cabem a ela. O ideal é preconizado pelas políticas do Ministério da Saúde, mas a realidade é outra. Seja pelo SUS ou pela rede privada, pacientes em busca do Dispositivo Intrauterino (DIU) têm o direito barrado. Elas alegam que médicos as desencorajam a utilizar o contraceptivo, sob alegações como idade e quantidade de filhos.

Desde o início do século, o dispositivo é distribuído pelo Ministério da Saúde. O órgão já repassou cerca de 4,2 mil DIUs ao DF, por meio da Secretaria de Saúde. A expectativa é de que até o fim do ano mais 1,8 mil unidades cheguem à capital.

Apesar do volume, quem depende do serviço público relata barreiras. A pedagoga Karinne Karla de Lima, 21 anos, precisou insistir. Até denúncia fez para que o direito fosse garantido. Moradora do Núcleo Rural de Planaltina, ela procurou primeiro o posto de saúde mais perto de sua casa. Ali, foi informada de que não havia médico para o procedimento e que teria que procurar a unidade de Planaltina.

“No segundo posto, uma enfermeira alegou que eles só colocavam em mulheres com filhos”, relembra. Karinne, então, se impôs: “Falei que eu podia, que tinha lido na cartilha do SUS que não havia restrição para quem não era mãe. Mas ela insistiu que ali não colocavam em quem não tinha filho”. A pedagoga seguiu para casa e lá resolveu tomar providências. “Entrei na ouvidoria do SUS na internet e fiz uma denúncia”.

O resultado foi imediato. “Três dias depois me mandaram e- mail pedindo que eu voltasse ao posto que o gerente iria me atender. Então ele disse que colocaria o DIU, mas fiquei com medo de que fizessem algo comigo e pedi para me encaminhar a outro local. O gerente me direcionou à UPA de Sobradinho”, afirma a paciente. Na semana seguinte, ela conseguiu implantar o contraceptivo.

Rede particular

Alais Nascimento, 25 anos, teve dentro de casa o exemplo real das consequências de uma gravidez não planejada. O irmão teve uma filha aos 20 anos. Hoje, a sobrinha tem nove. Desde adolescente, a mulher, que é mestranda, usa a pílula anticoncepcional.

“Usava antes mesmo de iniciar a vida sexual, mas comecei a sentir dores e não queria mais tomá-la”, lembra.
A partir da decisão pelo DIU, ela teve de enfrentar a ginecologista e a endocrinologista a quem recorria na rede particular. “Elas falaram que era melhor continuar com o anticoncepcional, mas fiquei firme e disse o que queria”, conta.

Assim, ela procurou outro médico. “Na época tinha 21 anos. Esse médico me perguntou ‘qual o problema em usar camisinha?’. Levantei e saí na hora. Ele foi muito arredio. Dizia que era por conta da minha idade”, critica. A paciente, então, buscou mais profissionais que aceitavam seu plano de saúde. “Achei outra e foi maravilhosa”, comemora.

Para ela, alguns ginecologistas imprimem suas crenças e opiniões ao indicar um método. “Eles nunca dão uma saída a longo prazo. Por isso vejo muita gravidez indesejada. Os médicos tinham de estar ali para ser fonte de informação, a ajudar a paciente a escolher o que vai ser melhor para ela”, avalia.

CRM fala em recomendação ultrapassada

Segundo o Conselho Regional de Medicina do DF (CRM), décadas atrás existia uma recomendação para que o DIU não fosse usado por mulheres sem filhos. “O DIU de cobre aumenta o fluxo e isso faz crescer o risco de uma infecção vaginal. A infecção pode subir e causar uma inflamação tubária. Isso levaria a uma gravidez tubária ou à infertilidade”, argumenta Antônio César Barbosa, ginecologista e conselheiro do órgão. No entanto, ele enfatiza: “Isso era uma recomendação de 20 anos atrás”.

Apesar das queixas relatadas pelo Jornal de Brasília, e de tantas outras reclamações por meio das redes sociais, nenhuma tem chegado ao CRM. “Se há essa dificuldade, nunca chegou à esfera do conselho”, garante o ginecologista.

Em contraponto ao problema, Barbosa aponta que agora há uma nova discussão. “As mulheres querem ter filhos cada vez mais tarde. Mas é preciso pensar até quando vale a pena adiar a maternidade. Por exemplo, se uma paciente de 30 anos quiser colocar o DIU, que tem uma duração de dez anos, ela vai ter 40 anos quando quiser engravidar. Nessa idade todos sabem as complicações de uma gravidez”, alerta. Vale ressaltar, porém, que o contraceptivo pode ser retirado quando a paciente quiser.

Recomendações

Devido à longa duração, o DIU é considerado mais eficaz que a pílula, além de ser prático: a mulher não precisa se preocupar com esquecimentos, por exemplo. Segundo o Ministério da Saúde, mulheres que não têm filhos ou que estejam amamentando podem utilizar o DIU de cobre. O órgão esclarece ainda que está ampliando o acesso, disponibilizando também nas maternidades para as mulheres que tiveram filhos ou passaram por um processo de abortamento.

A inserção do DIU no pós-parto deve ser imediata, em até dez minutos após a saída da placenta, o que provoca menos chance de expulsão. Porém, ele poderá ser inserido até 48 horas após o parto. Depois desse período, a mulher deverá esperar 40 dias para inseri-lo. Na cesariana o DIU deverá ser posto durante a cirurgia. Mulheres com má-formação no útero e com sangramentos anômalos são exemplos de situações em que o DIU é contraindicado, assim como para menores de 14 anos.

Versão oficial

Em nota, a Secretaria de Saúde apontou apenas que “desconhece a afirmativa de que os profissionais desencorajam o uso do DIU. Juntos, médico e paciente discutirão o melhor método a ser utilizado”. Já o Ministério da Saúde informou que, junto à oferta do método contraceptivo, a mulher deve ter conhecimento do uso e efeitos adversos. “O profissional de saúde deve avaliar com a mulher os riscos e benefícios do método escolhido, considerando seu histórico de saúde, hábitos de vida, condições clínicas e aspirações reprodutivas”, esclareceu, em nota.

Fonte: Jornal de Brasilia