O baixo investimento em manutenção traz preocupação em torno da conservação dos acervos históricos do Distrito Federal

Em quatro anos, cerca de 40% dos recursos destinados à Cultura do Distrito Federal não foram utilizados pelo poder público. Entre 2015 e 2018, o governo reservou R$ 836 milhões da dotação orçamentária – valores previstos para pagamento de pessoal, despesas e investimentos. Deste empenho, apenas R$ 505 milhões foram liquidados, sendo que somente R$ 33 milhões foram para manutenção, reparo e obras dos espaços culturais. Os dados estão no Sistema Integral de Gestão Governamental (Siggo). O baixo investimento em manutenção traz preocupação em torno da conservação dos acervos históricos do Distrito Federal e levanta um debate após o incêndio que destruiu o Museu Nacional do Rio de Janeiro.

Com pelo menos 82 equipamentos públicos culturais espalhados pela cidade, seis museus são de responsabilidade da Secretaria de Cultura: Museu de Arte de Brasília, Museu Nacional da República, Museu da Cidade, Museu Vivo da Memória Candanga, Museu do Catetinho e Memorial dos Povos Indígenas. O secretário da pasta, Guilherme Reis, reconhece que as manutenções deveriam ser mais intensas, mas justifica que a Cultura se esbarra nos orçamentos mínimos.

“A situação é tristíssima. São processos de muito tempo, de abandono continuado, de inação do Estado em várias instâncias que a gente assiste no Brasil afora. É uma cadeia de abandono histórico”, afirmou, referindo-se à situação no RJ.

Quando questionado em relação aos museus da capital, Reis disse que os espaços são “vistos com muita preocupação”. “Todos eles estão com problemas, mas estamos recuperando um a um. Alguns necessitam de cuidados mínimos, outros precisam de projetos sofisticados, de um investimento maior”, aponta Reis.

Com um orçamento de R$ 33 milhões para manutenções em quatro anos, o secretário de Cultura disse que foi preciso mudar a forma em que se empregou o dinheiro. “É uma mudança na forma como gasto dinheiro. É o melhor do mundo? Não é. É um dos menores orçamentos, mas a gente está mostrando que é possível fazer mais com menos”, defende.

“O dinheiro que investimos é inédito. A gente conseguiu fazer investimentos pontuais em quase todos os espaços. A grande preocupação é que haja continuidade de atenção nos próximos governos”, acrescenta.“A situação é tristíssima. É uma cadeia de abandono histórico”. Guilherme Reis, secretário de Cultura. Foto: Francsico Nero/Jornal de Brasilia

Pontos prioritários

Para o subsecretário de Patrimônio Cultura, Gustavo Pacheco, os pontos prioritários são os museus de madeira. “Já fizemos alguns reparos, como escoras, trocamos vigas, descupinização, mas ainda há muita coisa a ser feita. Não basta resolver problemas pontuais, precisa manter”, comenta.

Um deles é o Museu Vivo da Memória Candanga, inaugurado em 1990. O espaço reúne um dos principais acervos sobre a história de Brasília e passou por restaurações, mas segue carente de manutenção contínua. Boa parte das casas de madeira está deteriorada. A estrutura das portas, janelas e até dos telhados necessita de reparo.

A falta de conservação do espaço é sentida pelos visitantes. A advogada Clara Castro, 49 anos, que começou um curso de audiovisual sobre a história de Brasília, lamenta o cenário que viu ao visitar o local. “Está tudo meio estragado, as madeiras estão se deteriorando a cada dia. A necessidade de manutenção aqui é urgente. Outro dia, fui abrir uma janela e ela caiu. A estrutura é muito frágil”, afirma.“A necessidade de manutenção é urgente. Fui abrir a janela e ela caiu”
Clara Castro, no Museu da Memória Candanga. Foto: Rayra Paiva Franco/Jornal de Brasília.

Acabado por dentro e por fora

A necessidade de cuidados com o Museu Vivo da Memória Candanga é visível também para a produtora de audiovisual Mazé Fernandes, 59. Ela ressalta a necessidade de manutenção no interior da edificação. “Não é só a parte externa que precisa de restauração. A estrutura dentro das casas pede socorro. Além disso, estamos no período de seca, é preciso redobrar o cuidado com incêndios”, diz.

Luciana de Maya, por sua vez, completa que o investimento é insuficiente. Ela é professora do curso de audiovisual e da Secretaria de Educação, também faz parte do grupo de trabalho do Museu da Educação do DF e já foi gerente do Museu Vivo da Memória Candanga. “Não restam dúvidas de que faltam recursos. Nosso patrimônio é enorme e as restaurações são feitas de maneira muito lenta. Inicialmente, as casas do museu foram construídas para serem desmontadas depois, elas dariam lugar ao concreto. Portanto, a madeira não é preparada para aguentar tanto tempo, até porque é uma região com muito cupim”, declara.

Arquivo Público

Com uma redução de quase 9% do orçamento do ano passado para este ano, o Arquivo Público do Distrito Federal também enfrenta problemas. O superintendente Jomar Nickerson admite que o prédio não atende a atividade. “Temos que transformar numa estrutura para ser arquivo público. Fomos transferidos em 2014 a um prédio do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que servia para guardar urnas eletrônicas. O prédio precisa ser adaptado para se tornar uma instituição arquivística”, pontua.

Nickerson, porém, garante que não há riscos de que todo o material histórico da capital se perca. “O Corpo de Bombeiros realiza vistorias, faz determinações e nós cumprimos. Não há riscos”, destaca. Atualmente, o acervo do Arquivo Público é de mais de 1,4 milhão de documentos que contam a história de Brasília: cartografias, gráficos, textos, fotografias, vídeos e áudios.

Fechado há uma década

Construído na década de 60, o Museu de Arte de Brasília, localizado no Setor de Hotéis e Turismo Norte, está fechado há mais de dez anos por recomendação do Ministério Público do DF e Territórios. Em todo esse tempo, o espaço ficou fechado se deteriorando e precisou que o acervo fosse encaminhado ao Museu Nacional da República. De acordo com a Secretaria de Cultura, as obras de reforma iniciaram em outubro do ano passado e serão gastos R$ 7,6 milhões para a modernização do espaço.

Segundo a pasta, a obra tem como objetivo atender as necessidades de segurança, acessibilidade e atualizar as instalações a padrões mais modernos de museologia.

“As melhorias também contemplam a construção de espaço adequado para reserva técnica, laboratório de restauro e conservação, sala de triagem para recebimento e avaliação de obras, colocação de placas fotovoltaicas na cobertura para geração de energia e climatização dos locais de exposição de acervos”, esclarece, em nota.

Ponto de Vista

Para a especialista em conservação e restauração de obras sobre papel, Silmara Küster, os cuidados com os museus, bibliotecas e arquivos públicos do DF são precários e insuficientes. “A manutenção é feita pelos profissionais da área dentro do possível, mas falta investimento e os recursos são poucos. Isso é perceptível em uma simples visita”, afirma. Silmara explica que a conservação de qualquer acervo é complexa. “São muitas variáveis. Mão de obra especializada; vistorias hidráulicas, elétricas e biológicas; estrutura física do prédio; e conscientização do público e também de quem trabalha lá dentro. Não basta ter especialistas no local, é preciso que os funcionários saibam como lidar com o material a ser conservado, como os da terceirizados limpeza, por exemplo”, alerta. A especialista ressalta a necessidade de apostar em prevenção. “As vistorias precisam ser técnicas e frequentes. É tudo muito imprevisível. A degradação pode levar anos, como também horas. Uma infestação de fungos, por exemplo, pode acabar com um acervo em um dia. Por isso, temos que identificar os riscos potenciais e tomar uma atitude. Riscos sempre vão existir, mas o quanto vamos perder depende do tamanho da negligência das autoridades”, diz. Em Brasília, o problema da seca é um agravante, devido aos incêndios, o que preocupa a especialista. “Alguns museus não estão preparados para isso, são frágeis demais. O Museu Vivo da Memória Candanga e o Catetinho, por exemplo, são de madeira. Um incêndio pode acabar com tudo”, lamenta. Para Silmara, a destruição do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, serve de alerta: “É lastimável. Perdemos uma parte de nós mesmos, da nossa história. É preciso que o incêndio no Rio sensibilize o GDF”.

Fonte: Jornal de Brasília