Mulher de 45 anos denunciou episódio ocorrido em 1995. Em relato, ela disse ter inventado locais em que sentia prazer nas costas porque tinha 'medo de se virar de frente' para o médium.

Por Braitner Moreira e Bianca Marinho, G1 DF e TV Globo

Ministério Público ouve nesta terça (11) depoimento de vítimas do médium João de Deus

Uma analista de sistemas de 45 anos, moradora de Brasília, foi uma das dezenas de mulheres a entrarem em contato com o Ministério Público de Goiás (MP-GO) se identificando como vítimas de abusos sexuais cometidos pelo médium João de Deus.

No relato enviado, ela pediu para falar de forma anônima. "Sei que esse homem é muito poderoso, tem muita influência e acesso a pessoas muito poderosas", escreveu. No texto, a vítima contou ter sido levada para uma consulta pelo namorado e disse que "ficou inventando locais [de prazer] nas costas" porque tinha "medo de se virar de frente" para o médium (leia o texto completo abaixo).

A analista também disse sofrer com sentimento de culpa "pensando que, se eu tivesse denunciado, outras vítimas não passariam pelo que passaram". Ela encerrou o relato afirmando que "nunca sentiu prazer nas relações sexuais" depois. "Quando envolvida com alguém sexualmente, ficava louca para que o sexo acabasse logo. Esse João de Deus pôs um fim a uma vida sexual prazerosa para mim", completou.

Um e-mail para receber relatos como o dela foi criado exclusivamente para as denúncias: denuncias@mpgo.mp.br. Ele recebe depoimentos de todo o país, não apenas de Goiás. As vítimas serão ouvidas até o fim da semana, segundo os promotores.

No DF, o Ministério Público disse que vai registrar os relatos "preferencialmente por meio de áudio e vídeo" e enviá-los "com urgência" a Goiás. Em caso de atendimento pessoal, o órgão poderá disponibilizar uma equipe de psicólogos para apoiar as vítimas.

O advogado Alberto Toron, que defende o médium, afirmou que o cliente nega as acusações e que ele está à disposição da Justiça para esclarecimentos (veja o posicionamento da defesa no fim da reportagem).

O G1, a TV Globo e o jornal "O Globo" têm publicado nos últimos dias relatos de dezenas de mulheres que se sentiram abusadas sexualmente pelo médium. Não se trata de questionar os métodos de cura de João de Deus ou a fé de milhares de pessoas que o procuram.

Conforme relatos colhidos até esta terça-feira, os abusos sexuais teriam ocorrido desde a década de 1980 até outubro do ano passado, dentro Casa Dom Inácio de Loyola, onde João de Deus atende em Abadiânia, cidade goiana no Entorno do Distrito Federal.

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O relato recebido pelo Ministério Público

“Boa noite!

Quero que essa denúncia seja anônima, pois tenho medo do que possa me acontecer. Sei que esse homem é muito poderoso, tem muita influência e acesso a pessoas muito poderosas.

Eu havia sofrido um acidente de moto, em 1994, ocasião em que bati minha cabeça e, por estar sem capacete, me machuquei muito. Felizmente, a única sequela foram labirintite, enxaqueca, e alguns desmaios que ocorreram algumas vezes. Como eu estava com esses problemas, entre outros que tinha, como muita cólica no período pré-menstrual, aceitei o convite de ir a Abadiânia com um amigo de minhas irmãs.

Em 1995, quando eu tinha 22 anos, fui à Abadiânia pela 1ª vez. No momento em que ele estava fazendo uma cirurgia espiritual em outra pessoa, de uma hora para outra, passei muito mal e desmaiei. Fui levada para um local onde têm várias camas, onde as pessoas podiam deitar e se recuperar. Depois de melhorar, fui para uma outra sala, onde as pessoas ficam sentadas, recebendo atendimento dos 'espíritos'. O João de Deus não falava com todas as pessoas individualmente, mas sempre que eu ia, desde a 1ª vez, ele me dava uma atenção especial. Sempre conversava comigo, porém na frente de todos que ali estavam. Me chamava de filha e dizia que eu era muito forte. Ele fez com que eu me sentisse especial, muito especial.

A pessoa que me levou à casa de Dom Inácio era amigo íntimo dele, pois tinha o telefone pessoal, conversava com ele sempre que precisava e frequentava a casa há muitos anos. Eu mal conhecia essa pessoa, pois ele era conhecido das minhas irmãs. Mas, por ele ser tão íntimo do médium, confiei nele. Inclusive, ele me disse que éramos almas gêmeas e que nos conhecíamos de vidas passadas. Acabei me aproximando desse cara, chegando a me tornar sua namorada. Ele até me pediu que lhe emprestasse R$ 8.000, para ele fazer uma média com o banco, pois a conta da empresa estava negativa. Por confiança no João de Deus, eu lhe emprestei o dinheiro, mas ele nunca me devolveu. Esse cara tinha muitos problemas, só pensava em suicídio, tinha acessos de loucura, quando se batia... Era horrível. Eu, então, pedi que tudo o que ele sentia passasse para mim, porque o João de Deus dizia que eu era muito forte. Daí em diante, passei a sofrer muito, com muita perturbação mental, dor de cabeça, enjoo e fraqueza. Um dia, quando estava dormindo na casa do cara, acordei com ele fazendo sexo comigo enquanto estava inconsciente e briguei com ele, exigindo respeito. Foi aí que ele me disse que tinha um problema de se controlar sexualmente.

Como eu estava muito fraca, passando muito mal, mal conseguindo ficar em pé, o meu namorado me levou a Abadiânia novamente. Ficamos aguardando a hora de ser atendida por ele, como sempre acontecia. O João de Deus, 'incorporado', disse que sabia o que estava acontecendo comigo e com o meu namorado e que o médium queria me ver sozinha depois dos atendimentos. Quando chegou a minha vez, ele me convidou a entrar na sala dele. Lembro que tinha mesa, cadeira, parecendo um escritório. Ele disse que precisava fazer um trabalho comigo para me ajudar e ajudar o meu namorado, já que pedi que os problemas dele viessem para mim.

Ele me posicionou de costas para ele e pediu que eu colocasse a mão direita para trás. E foi nesse momento que ele encaixou o pênis dele na minha mão. Eu fiquei em estado de choque, sabia que aquilo não podia estar certo, que Deus não ia pedir para eu pegar no pênis de outro homem para ajudar quem quer se seja, mas eu não consegui fazer nada. Parecia estar paralisada, pensando estar vivendo um pesadelo. Ele falou: 'Está vendo como está mole? Não estou sentindo prazer nenhum com isso. Não estou excitado, isso é para ajudar vocês. Agora, me mostre os locais onde você sente prazer'. Fiquei sem ação, em choque. Meu cérebro funcionava, tanto que fiquei inventando locais [de prazer] nas costas, pois estava com medo de virar de frente para ele, mas eu não conseguia sair dali. Minha vontade era de sair correndo e gritando, com todas as minhas forças. Mas não consegui fazer nada.

No carro, voltei calada na viagem de volta para Brasília. Na época, eu morava no Lago Sul. Assim que chegamos em Brasília, contei ao meu namorado o que o 'médium' fez, esperando que ele ficasse revoltado, mas ele não teve qualquer reação. Ele foi a única pessoa para a qual contei até quando tomei conhecimento das outras vítimas dele. Imediatamente ao chegar em casa, percebi que tinha sido abusada. Senti vergonha, muita vergonha, me senti culpada, por tê-lo me deixado manipular daquele jeito, me senti uma idiota, completa imbecil. Por isso, para sobreviver, fingi que aquilo não havia acontecido. Não me permitia pensar naquilo e nunca mais voltei a Abadiânia.

Meu namorado voltou a Abadiânia e lhe perguntei se o trabalho tinha dado certo e ele respondeu que o João de Deus disse que não deu certo porque contei para ele. Quer dizer, eles ainda estavam querendo me fazer sentir culpada?

As fichas começaram a cair e fui me afastando desse namorado, porque fiquei com muito medo dele, por estar metido com uma pessoa poderosa como é esse João de Deus. Nunca falei nada para mais ninguém, até assistir ao DF2 e ouvir os relatos das outras vítimas.

Me senti culpada, pensando que, se eu tivesse denunciado, outras vítimas não passariam pelo que passaram. Mas o que eu podia fazer?

Minha vida sexual nunca mais foi a mesma. Nunca senti prazer nas relações sexuais que tive depois disso. Quando envolvida com alguém sexualmente, ficava louca para que o sexo acabasse logo. Esse João de Deus pôs um fim a uma vida sexual prazerosa para mim.

Ele tem que ser parado e pagar por tudo o que fez comigo e com todas as vítimas dele!

No aguardo de um retorno,

Atenciosamente."

João de Deus nega acusações

O advogado Alberto Toron, que defende o médium, afirmou que o cliente nega as acusações e que ele está à disposição da Justiça para esclarecimentos.

“Muito enfaticamente ele nega. Ele recebe com indignação a existência dessas declarações, mas o que eu quero esclarecer, que me parece importante, é que ele tem um trabalho de mais de 40 anos naquela comunidade, atendendo a todos os brasileiros, gente de fora do país, sem nunca receber esse tipo de acusação”, disse.

Além disso, o advogado esclareceu que o padrão de João de Deus era atender a todos em grupo. “Eventualmente atendeu alguma pessoa, alguma autoridade sozinho, isso é um episódio localizado. Mas pessoas, mulheres, crianças em geral, eram atendidas coletivamente diante de um grande número de pessoas”, continuou.

Por fim, disse que o cliente vai colaborar com as investigações. “Amanhã mesmo [segunda-feira, 10] nós vamos nos dirigir às autoridades judiciárias da cidade de Abadiânia para dizer que ele está à disposição da polícia, do juiz, do Ministério Público para ser ouvido em qualquer momento”, disse.

“Achamos que tudo isso deve ser objeto de uma investigação marcada pela seriedade e nós esperamos que isso aconteça para que a verdade venha à tona”, concluiu Toron.

Fonte: G1