Sharlene Leite dá aula de escrita há 15 anos. Das três alunas do DF com nota máxima na redação do exame, duas tiveram aulas com ela no ano passado.

Por Letícia Carvalho, G1 DF
Músicas do quarteto de rap Racionais MC’s, obras do escritor português José Saramago e textos do sociólogo espanhol Manuel Castells são alguns dos muitos recursos colocados em sala pela professora Sharlene Leite. Há 15 anos dando aulas de redação em Brasília, ela orientou duas das três estudantes que receberam nota mil no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2018.

"Foi uma alegria muito grande receber essa notícia. A gente constrói junto e pega na mão dos estudantes. Posso dizer que, na minha sala de aula, a gente é feliz fazendo redações."

Dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram que, ao todo, 122.423 redações foram corrigidas nesta edição regular. Destas, apenas 55 em todo o país tiveram nota máxima.

Em 2017, as turmas orientadas por Sharlene bateram na trave – 48 vezes. Segundo ela, esse foi o número de alunos que tiraram 980 na prova de redação.

"Ver o resultado das meninas foi muito emocionante, porque da última vez fiquei ali no quase. É a realização de um trabalho", disse a professora.

Segundo a docente, às vezes, uma crase colocada de forma errada no texto pode fazer com que um concorrente deixe de pontuar a nota máxima. Por isso, ao longo do curso, Sharlene também se dedica a trabalhar, quase que exaustivamente, a estrutura das redações cobradas pelo Enem.

“Sou rígida com a estrutura mas, depois que conseguimos acertar com os alunos essa questão textual, focamos na construção do repertório sóciocultural deles. Trago juristas, especialistas em direitos humanos, cineastas, músicos para dentro da sala.”

Para a professora, cada vez mais, os estudantes que querem garantir uma boa colocação nos vestibulares precisam "sair da caixinha".

"Tem de ler diferentes coisas, tem de conhecer o mudo. Em uma das minhas aulas, por exemplo, os alunos analisaram letra por letra das músicas ‘Vida Loka’, dos Racionais MC’s, e 'Camaro amarelo', da dupla Munhoz e Mariano."

Além de ministrar a disciplina, Sharlene administra o Escrita Única Pré-Vestibular, que fica na Asa Sul. Apesar da grade comportar todas as outras matérias exigidas nos certames, a professora disse que o "forte do espaço é a redação".

"Todo mundo que entra aqui tem que seguir a excelência em redação. A correção dos textos é feita ao lado do aluno. No meu curso, ninguém recebe uma nota. As pessoas recebem um acompanhamento. A ideia é oferecer um curso humanizado."

18 anos e nota mil


A brasiliense Iohana Freitas tem 18 anos e alcançou a nota mil na redação do Enem — Foto: Letícia Carvalho/G1

Com apenas 18 anos de idade e um ano de cursinho, a brasiliense Iohana Freitas alcançou a nota mil na redação do Enem. O livro "Ensaio sobre a cegueira", do escritor português José Saramago, foi o trunfo.

Neste ano, os candidatos tiveram que fazer uma redação sobre "Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet".

Com base na leitura da obra e de conceitos do sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman, Iohana desenvolveu um texto sobre a “teoria da cegueira moral”:

“A teoria da cegueira moral é muito usada para exemplificar a sociedade brasileira. Comecei a relembrar dos debates sobre como as pessoas se fecham nas bolhas sociais delas. E esse controle dos dados faz com que você viva em um mundo fechado”, explicou a estudante, que sonha com uma vaga no curso de medicina da Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS).

A moradora do Riacho Fundo I contou que, embora soubesse que tinha feito uma boa redação, sequer considerava a chance de uma nota mil. "Não acreditava que ia acontecer. Quando acordei, olhei a nota, dei um pulo e corri para contar para a minha mãe”, lembrou.

Apesar do resultado, a jovem disse que aguarda o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) para uma comemoração completa. "Meu foco ainda é a aprovação. A nota na redação foi metade do caminho andado."